Seu Respeito e Sua Coroa

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O barulho da movimentação rápida dos empregados me acorda, e eu descubro que infelizmente ainda estou deitada no chão duro e frio da minha cela improvisada. Antes de adormecer eu tinha a esperança de que quando acordasse meu avô querido teria me posto na cama, igual aos velhos tempos de quando eu dormia no sofá e acordava debaixo das cobertas quentinhas, mas nada disso acontece. Hoje pela décima vez acordo deitada sobre o chão de pedra, que parece cada dia mais gelado, talvez o inverno já tenha chegado mas não tenho certeza.

Pelas grades da minha cela eu consigo ver os empregados muito atarefados correndo de um lado para o outro, como se suas cidades dependesse disso (e talvez dependa realmente) essa correria me intriga, e me faz vasculhar a memória na intenção de achar quais são as possíveis datas comemorativas do inverno, mas não leva muito tempo para eu lembrar que ninguém comemora a chegada do inverno tendo em vista que a colheita para, e que muitas pessoas passam (além de fome) muito frio.

O inverno em Noerie congela até as pedras do chão, e muito dificilmente algo permanece líguido por mais de 3 segundos, muitas famílias morrem congeladas, mas esse ano eu (antes de ser jogada nessas cela fria) tinha arquitetado planos para mater a nossa nação aquecida, talvez seja esse o motivo da comemoração que provavelmente vai acontecer hoje.

Enquanto eu observo os empregados super atarefados eu penso se hoje alguém vai lembrar de me trazer um pedaço de pão, ou se vão me deixar morrer de fome. No fundo eu peço a Deus para que tragam uns cobertores também, mas sei que ninguém vai se importar se eu congelar aqui. Acho que o rei não se importa mais com minha presença, ou talvez ainda não tenha criado coragem de me dar uma sentença. Mas eu sei que meu tempo é curto, já se passaram dez noites desde que fui presa e se teremos uma festa hoje as pessoas irão questionar minha prisão, querendo ou minha liberdade ou minha sentença de morte. O fato é que em Noerie ninguém completa muito tempo preso, os criminosos são rapidamente sentenciados e na maioria das vezes a forca, somente uma ou duas vezes alguém teve a oportunidade de lutar pela liberdade e mesmo assim foi uma luta extremamente injusta, ninguém nunca venceu o rei, e provavelmente eu não terei a chance de tentar.

Enfim eu vejo minha prima Risa vindo em direção a minha cela, e com um grande alívio vejo em seus braços um cobertor e um pão que parece ter acabado de sair do forno. Ela é nova, mas é bem alta, esta com o cabelo preso de lado em uma trança enorme e usa um vestido azul claro que faz ela parecer um anjo. Ela realmente tem sido um anjo para mim nesses dias em que estive presa, ela costuma vim escondida me trazer comida, e tenta me dar esperanças de que minha mãe já está a caminho de casa.

— Desculpa a demora — diz ela passando por entre as grades o cobertor e o pão novinho — Hoje foi mais complicado do que de costume — fala numa clara tentativa de se desculpar.

— Tem muitos empregados hoje, não? — ela sabia que eu perguntaria isso, mas mesmo assim não consegue responder. Isso me deixa com medo do que pode estar pra acontecer.

— Eu tive notícias de sua mãe Nay — diz ela tentando me animar  – A missão dela acabou, e deverá chegar hoje.

Olho para ela para tentar descobrir se está dizendo a verdade, e por incrível que pareça tem uma certa sinceridade no olhar dela, talvez minha mãe chegue hoje, mas não acho que sua missão já tenha acabado.

A Risa não pode demorar muito então se despede com um "Tchauzinho, nos vemos mais tarde”, mas não consegue esconder os olhos lacrimejantes, oque só me deixa com a certeza de que algo ruim vai acontecer.

A poucos passos da minha cela foi montado uma grande mesa de jantar que deve ter uns 40 acentos ou mais. Alguns empregados levam de um lado para o outro pilhas de talheres, pratos e taças, é tanto trabalho que uma jovem e distraída mulher deixa cair perto de minha cela uma faca de pão, sei que a falta dessa faca de prata vai lhe custar o emprego, mas essa é a única arma que eu consegui em 10 dias, e não posso perder a oportunidade de pegar e esconder a faca debaixo do fino cobertor que Risa me trouxe. Ninguém viu nada, mas faço questão de olhar fazer uma anotação mental de recompensar essa mulher se eu tiver a chance.

Depois de tudo pronto, muitas pessoas começam a chegar pro grande almoço que vai ser servido. Algumas pessoas eu reconheço por serem meus parentes mas ninguém sequer olha para mim. Tem muitas pessoas que claramente vieram dos país vizinhos, e eu reconheço algumas por suas coroas. Pelo visto hoje temos 3 reais reunidos, sendo um deles meu avô, que me jogou nessa cela congelada.

Eu não sou uma criminosa, mas ameaço diretamente o trono do meu avô. O fato é que ele já está velho, e eu sou a melhor guerreira da família, sem contar que as pessoas do nosso reino gostam de mim. Muitos nobres já pensam em sugerir a saída do meu avô do trono, para que eu possa assumir. Mas eu não poderei assumir um trono se eu estiver pressa em uma cela congelada.

Com todas as pessoas já reunidas na grande mesa, a comida é servida, e eu percebo que estou com muita fome, aquele pão trago pro Risa, não era muito grande, e toda essa comida sendo servida aos convidados está me deixando com água na boca. Hoje está sendo um verdadeiro banquete e eu imagino que isso é para demonstrar uma falsa impressão de poder.

Enquanto todos comem e me ignoram a minha fome só vai crescendo e eu me agarro a esperança de que minha mãe chegará logo, mas eu notei que na mesa não tem um espaço vazio, ou seja, ela não foi convidada pro banquete.

Eu estou decidida a ouvir qualquer coisa que me a dica do que está por vim, mas nenhuma palavra é dita sobre nada importante. Mas uma hora eu ouço o Rei Mário Cezar questionar o motivo de eu estar nessa cela, infelizmente ninguém responde e meu avô apenas ordena para que tragam a sobremesa. O Rei Mário Cezar não é um homem paciente, e pergunta novamente em alto e bom som, sobre minha prisão, querendo saber todos os detalhes, ninguém responde, até o Rei Gabriel Winchester dar forças ao questionamento do Rei Mário. Meu avô fica claramente irritado com essa pressa, mas mantém a classe.

— Meu senhores, eu pretendia poder fazer uma refeição decente antes de entrarmos em assuntos tão desinteressantes. Mas assumo que não estava tão interessado na sobremesa, então vamos logo resolver essa pequena questão — diz ele apontando a cabeça para mim, tentando se mostrar indiferente, mas ele não é um bom ator. Então ele continua:

— Imagino que todos vocês conheçam a minha neta, que veio se mostrando uma exelente guerreira e que acabou ganhando os corações de muitos dos nobres aqui presente, fazendo com que estes questionassem minha posição de rei — ele faz uma pausa dramática, e olha no fundo dos olhos de cada um que ele sabe ter duvidado de sua capacidade de reinar Noerie, mostrando ter conhecimento sobre cada um que duvidou dele.

– Confesso que fiquei imaginando oque fazer com Nayara, e muitas possibilidades me passaram a cabeça, assim como passaram sobre oque fazer com cada um de vocês. Mas vamos focar 1° em quem está a dez dias em uma cela — diz ele, olhando sarcasticamente para mim — Vou dar á Nayara a oportunidade de ganhar meu respeito ou morrer tentando.

Meu coração parou e minha mão por reflexo se fechou sobre a faca de pão que eu tinha deixado debaixo do cobertor. Eu sabia oque essas palavras significavam. Eu teria a oportunidade de lutar contra o meu avô, provavelmente ele irá arrancar o meu coração com as próprias mãos igual eu já o vi fazer uma vez com um nobre que foi preso a uns anos atrás. Eu sei que não tenho a menor chances de ganhar, e todos presentes aqui sabem o mesmo. Todos olham para mim com um olhar de pena, mas a única que está realmente triste é a minha prima Risa que não esta usando mais o vestido azul claro, ela está vestindo agora um vestido preto e o cabelo está preso em um coque que claramente foi feito sem a menor intenção de ficar elegante. Ela já sabia da decisão do meu Rei, é claro que ela sabia, eles são extremamente próximos.

A porta da minha cela é aberta, e meu avô já está de pé, ele tirou a espada de sua cintura e a pôs encima da mesa, assustando um pouco os nobres que ainda estavam perplexos. Eu continuo paralisada, até que meu avô entra na minha cela com aquele ar de superioridade. Eu me levanto e puxo a pequena faca sem deixar ninguém vê. Na minha cabeça eu começo a traçar um plano para me manter viva. Mas dessa cela só sairá um de nós dois com o coração batendo, e eu sei que as minhas chances são mínimas mesmo tendo a pequena faca em minhas mãos.

Depois de tanto silêncio, ele começa a falar

— Uma guerreira não deve demonstrar tanto medo Nayara, cadê a sua confiança? — ele está claramente tentando me fazer parecer menos do que eu sou.

— Vamos direto ao ponto — é a única coisa que eu consigo dizer, e ele parece desgostar disso, claramente quer fazer um show antes de tirar minha vida.

— Sempre cheia de pressa não é mesmo? — então ele ri sarcasticamente para mim, e se vira  para os nobres dando a eles o pronunciamento formal do que está por acontecer, como se ninguém tivesse entendido. – Eu, Rei Roberto Gonçalves de Noerie, vou da a oportunidade a Nayara Gonçalves lutar contra mim com o intuito de ganhar meu respeito ou morrer tentando. Eu estarei desarmado, mas isso não impede ela de conseguir alguma arma se for rápida e esperta suficiente para isso — ele para um minuto, deixando as pessoas se perguntarem se consiguirei ao menos chegar perto da espada que ele deixou na mesa a poucos paços da minha cela.

Eu observo que ninguém parece triste pelo q está prestes a acontecer comigo, a não ser a Risa, que consulta a todo instante o relógio e soluça de tanto chorar. Talvez ela esteja esperado minha chegar, mas acho que ela não virá e mesmo se vier não vai poder mudar oque já foi pronunciado.

Então ele diz com a maior calma do mundo: – Aproveite sua oportunidade com sabedoria. Agora.

Meu coração está disparado, essa luta não vai durar muito, talvez nem dois minutos. Mas eu já montei um plano em minha cabeça e pretendo cumprir antes de dar a oportunidade dele tocar em mim. A minha única vantagem é se eu atacar primeiro, e é exatamente isso oque eu faço.

Eu vou rápida em sua direção e em poucos segundos cravo a faca em seu olho direito, ponho tanta força no golpe que a faca entra mais que a metade dentro do olho dle. Sei que atingir os olhos do oponente não é bem uma coisa nobre a se fazer, mas eu não estou focada em ganhar honra eu quero minha vida.

Entao enquanto ele retira a faca do olho ensanguentado, eu passo voando pela porta da cela que permaneceu aberta, vou em direção a espada deixada sobre a mesa e a pego sentindo seu peso. Infelizmente ela é grande de mais e um pouco mais pesada do que estou acostumada, provavelmente por causa de tantos rubis e diamantes cravejados no punhal da espada.

Nos segundo em que eu me distrai com o peso da espada vejo que ele já está muito perto de mim e vejo que está determinado a me matar, e isso me deixa assustada, oque me faz agir totalmente no impulso, cortando a cabeça dele fora do corpo. Foi um golpe limpo e rápido, mas que pareceu durar horas.

Todos ficam paralisados ao ver a cabeça rolar pro lado oposto do corpo. Minhas mãos tremem e minhas pernas fraquejam, eu tenho vontade de chorar sua morte mas seria um insulto se fizesse isso. Os meus famíliares presente se derramam em lágrimas, todos ficam triste pela morte súbita do Rei. Os nobres apenas olham perplexos uns aos outros.

Depois de um tempo eu vejo que preciso fazer alguma coisa. Eu matei o rei em uma luta de sentença. Eu conquistei não só o respeito dele, mas também sua coroa. E então, eu pego a coroa do chão, a ponho em minha cabeça e sento no lugar de honra do rei. Todos me olham em tom de julgamento, mas em alguns eu vejo um olhar de respeito.

Eu sei oque essas pessoas precisam agora, elas precisam de um pronunciamento formal. E é isso oque eu começo a fazer.

— Eu Nayara Gonçalves neta do Rei morto Roberto Gonçalves, fui presa e sentenciada a uma luta contra o Rei de Noerie. A luta me dava a oportunidade de ganhar o respeito do rei ou morrer tentando. Então eu matei o rei, e ganhei seu respeito e sua coroa — faço uma pausa dramática, para que todos possam absorver as minhas palavras, e para que eu consiga reunir mais forças para continuar a falar.

— Eu como a nova Rainha de Noerie vou dar ao Rei antecessor um velório digno do homem que ele foi. Já a sua família será mantida no castelo por também serem minha família, mas não serão considerados nobres, ninguém irá trata-los como nobres, serão tratados como plebeus que moram no castelo, nada mais que isso— dizendo essas palavras vejo minha família olhar com um olhar de incredulidade para mim, estão querendo provavelmente separar minha cabeça do corpo assim como eu fiz com o meu avô. Mas eles não podem, pois se eu não os sentenciar a uma luta contra mim, eles serão mortos se me atacarem. Isso me faz rir, eu não poderia ter uma vingança melhor doque poder rebaixar minha família a plebeus por nem sequer ter olhando para mim durante esses dez dias.

– Eu mantenho Risa Gonçalves e Mariana Gonçalves (minha mãe) como nobres, por ter prestado serviços importantes a mim. E vou recomeçar com ouro a empregada Carla que deixou cair a faca que me deu a vatangem nessa luta tão injusta.

Todos aqui presentes ainda estão digerindo minhas palavras com nova Rainha de Noerie. E eu também estou atordoada com tudo oque aconteceu em tão poucos minutos.

Mas agora eu sei que tenho uma nação em minhas mãos, eu sei que não será fácil manter a coroa na minha cabeça. Tenho o apoio de muitos nobres, mas sei que muitas pessoas me vêem como uma guerreira e que nunca vão me aceitar como sua rainha, e também irão questionar a forma que eu ganhei essa luta.

Essa coroa vem com grandes desafios, mas nesse momento vou aproveitar o banquete que ainda está servido, e apesar de ninguém está comendo eu começo a comer como se essa fosse a minha última refeição como nobre, e talvez seja, se o povo não me aceitar como a nova Rainha de Noerie.



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