CAPÍTULO 4

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Ao contrário da viagem de ida, a volta passou bem mais devagar. Em parte porque Lila sabia que estava voltando para sua vida, para sua falta de propósito e o sentimento constante de vazio. Mas, também, porque assim que entrou no ônibus se lembrou de que não tinha respondido a última mensagem de Dave, e como evitara pensar nele o dia todo, acabou também não checando o celular em nenhum momento.

Agora, sentada ao lado de uma garota que digitava freneticamente no celular, Lila estava com medo de tirar o seu da bolsa e ter que lidar com o que quer que ela encontrasse lá. Já eram quase 20h e ela havia passado o dia todo sem dar notícias a Dave.

A viagem passou como um martírio. Havia uma ansiedade e uma tensão constantes em Lila, que pareceram ocultar todos os sentimentos bons que ela vivenciou ao longo do dia, pelo passeio em Jubee e por ter encontrado Bri. Após o que pareceu uma eternidade, o ônibus finalmente chegou e Lila desceu. Do ponto até sua casa era uma curta caminhada de 10 minutos, mas que ela fez em menos de 5, quase correndo.

Conforme se aproximava de casa, a tensão também ia aumentando, pois sabia o que encontraria lá. E como previsto, Dave a esperava na porta, andando de um lado para o outro e checando o celular com certa agressividade. Quando a avistou, foi andando em sua direção. A expressão claramente demonstrava insatisfação. Ele parou na frente de Lila, e começou a falar da forma como sempre falava quando estava com raiva: baixo, controlado e bem devagar:

- Onde você estava? – Perguntou, apontando para o celular. – Tentei te ligar várias vezes e você não atendeu nenhuma. E nem respondeu minha mensagem mais cedo!

Lila não respondeu de imediato, então ele perguntou novamente, dessa vez ainda mais devagar, porém com o tom de voz levemente alterado:

- Onde você estava?!

E tudo o que Lila estava tentando não fazer de repente veio à tona de uma vez. Estava tentando não se sentir culpada por suas escolhas, por ter tido um dia bom sem Dave, e por ter decidido fazer algo por ela mesma. Mas como pôde não prever o que aconteceria no final?

- Dave, me desculpe. – Ela disse, aproximando-se dele. – Eu tive a minha primeira folga em anos, não queria ficar em casa o dia todo. Daí, fiquei sabendo desse festival em Jubee e...

- Jubee?! Você estava em Jubee? – Ele pergunta, perdendo a calma. – Você nunca foi em Jubee comigo, e de repente resolveu ir sozinha? O que está acontecendo, Lila?

- Nada, Dave! Não está acontecendo nada. Eu já pedi desculpas... – Os olhos começaram a lacrimejar, e ela respirou fundo para prosseguir. – Eu apenas não quis ficar em casa, e decidi fazer alguma coisa diferente. Mas você está certo, eu deveria ter avisado. Sinto muito mesmo.

- Avisado não, você deveria ter me perguntado antes! – Ele olha para cima, balançando a cabeça, incrédulo. – Acho que aquela psicóloga está te deixando doida, em vez de te melhorar.

Lila não consegue responder a isso. Apenas fica olhando para ele, as lágrimas agora descendo incontroláveis.

- Espero que isso nunca mais se repita. – Ele diz, passando por ela e indo embora.

Ela ainda fica alguns minutos parada na porta, olhando-o se afastar, indiferente ao frio. Quando entra em casa, chora com mais intensidade, sem saber dizer exatamente o porquê.

Ela já sabia de cor o repertório das brigas com Dave: amanhã ele a ignoraria, não falaria com ela até que ela tomasse a inciativa, o que, a propósito, ela sempre fazia. Achava insuportável o tempo que passavam sem se falar, sabendo que ele estava com raiva. Gostava de conversar e resolver as brigas o mais rápido possível, e não via necessidade em delongar o sofrimento. Portanto, trabalharia normalmente no dia seguinte e tentaria não pensar nele, mas sabia que, quando chegasse em casa, ligaria para ele e tentaria encontrá-lo.

Consigo MesmaWhere stories live. Discover now