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— Alô, bom dia! Aqui é da empresa Wings, poderia falar com a senhorita Lia?
— Pode falar, é ela!
— Gostaria de dizer que infelizmente a senhorita não foi selecionada para a vaga que estava concorrendo, desejamos boa sorte — o que se foi ouvido depois era o som que ela estava acostumada. Quantos "nãos" já tinha ouvido? Tinha perdido as contas! As esperanças eram quase zero.
Os processos eram sempre os mesmos, qualificação para os cargos que se candidatava ela tinha, então o que faltava? Como a vida era engraçada, na semana anterior tinha se encontrado com uma antiga amiga do ensino médio, a vida dela era perfeita, dois filhos, um marido aparentemente bom e o que ela mais invejava... um emprego estável com uma vida estável. E ela? Apenas um diploma guardado em uma pasta e uma pequena luz de esperança de que o outro dia seria melhor.
Pegou a bolsa em cima do sofá e se ajeitou em frente ao espelho, não tinha tempo para lamurias, hoje era mais um dia longo, mais uma entrevista e provavelmente mais uma frustração para seu dia, quem sabe? Ao andar pelas ruas, observava todas a pessoas, imaginando como seria a vida de cada um que passava por si, era incrível como cada pessoa tinha um mundo próprio, ela aprendeu uma coisa que a mãe sempre dizia "Nunca inveje o sorriso de alguém, você não sabe o que tem por de trás dele", mas as vezes era inevitável não se imaginar na vida de outra pessoa, ainda mais quando a sua não ia do jeito que queria, ou talvez era só a gente querendo algo além do nosso próprio tempo. Chegou ao ponto do ônibus, sabia que a viajem até empresa que havia se candidatado era curta, o que para ela era a melhor opção e, não demorou muito para que ela estivesse em frente a empresa. Todos os candidatos foram instruídos a irem para uma sala relativamente pequena, com cadeiras que formavam um círculo, um por um foram se sentando no aguardo do próximo passo.
— Bom dia a todos! Sejam bem-vindos a empresa Green! — uma mulher alta com cabelos encaracolados entrou na sala, ela sorria, usava uma roupa muito bem alinhada. Todos retribuíram o comprimento, para Lia era engraçado estar naquela situação mais uma vez, cada local tinha sua maneira de entrevista ou dinâmica, mas no final com o mesmo intuito, observar os melhores candidatos.
Depois de tantas explicações, foi passado para cada candidato uma ficha para ser preenchida, a partir desta ficha, quem respondesse melhor cada pergunta que ali tinha, iria passar para a próxima etapa, era simples aparentemente, mas Lia sabia que a maioria não passaria, e ela podia ser um dos candidatos reprovados. A primeira "pergunta" era a mais comum em qualquer entrevista, "FALE SOBRE VOCÊ", aquilo era tão contraditório, praticamente todos mentiam em algum ponto, ela mesmo já tinha feito isso várias e várias vezes, reparou que o espaço deixado para a "resposta" era maior que os das outras "perguntas", olhando para o lado reparou que os outros candidatos escreviam textos curtos e objetivos, ela já estava tão cansada daquilo que não sabia mais o que falar, se repetia as mesma coisas ditas em entrevistas anteriores ou se inventava algo novo... mas o que? Na realidade, se perguntava o que realmente eles queriam de cada candidato, o que eles realmente queriam saber dela ou das pessoas que estavam ali? Lia depois de muito tempo estava em uma crise existencial tão grande que nem ela mesma sabia o que estava acontecendo.
Suspirou várias vezes para manter a calma e, depois de pensar muito havia se decidido, iria pela primeira vez escrever o que realmente sentia, mesmo que não fosse o lugar apropriado para aquilo, ela diria o que realmente queria, quem era ela de verdade, poderia perder a vaga por isso, mas quantos "nãos" já tinha recebido? Mais um para coleção não seria ruim, na realidade ela nem acreditava na possibilidade de um "sim" indo até ali, parecia até que tudo que ela estava passando havia começado a fazer parte da sua rotina diária.
" Sempre que vou em qualquer entrevista, e olha que já foram muitas, vocês dizem "Fale sobre você", mas hoje pela primeira vez me perguntei, será que querem saber realmente quem eu sou ou que eu posso fazer? Ou quem eu posso ser? Eu a garota que passou por várias coisas na vida, que tem medo do escuro e as vezes desastrada. Eu sou a mulher que tem vontade de aprender e contribuir, que vai lutar para crescer mesmo depois de vários possíveis nãos. Eu sou a garota-mulher que chora escondida e que ama desenhos animados, que durante o dia tem uma vontade imensa de gritar para o mundo inteiro, que as vezes, só as vezes, eu não aguento mais, e quem aguenta sempre?
Podem estar se perguntando, o que isso tem relação com a meu profissionalismo? Nada! Literalmente nada, mas essa sou eu, completamente eu, eu surpreendo, eu luto, eu corro atrás, eu reclamo, sou humana... nossa é tão bom falar isso, tão cansada de olhar para alguém e me imaginar no lugar dela, eu quero ser eu, ser feliz sendo eu e, se não for aqui, eu tenho certeza que será em outro lugar, porque a onde quer que eu vá, o melhor estará comigo!"
Sorriu depois que entregou a ficha, sabia que tinha feito algo fora dos padrões, mas não estava ligando. Pela primeira se sentia ela, observar aquele papel fez ela finalmente entender que tudo que ela tinha era especial e que quem a tivesse teria sorte, não era egocentrismo, ela pela primeira vez na vida estava dando valor a si mesma, ao tempo dela. Ela tinha impressão que todos ao seu redor a observava, e não era pra menos, pela primeira vez em anos ela sorria com vontade, ela entendeu que sempre deu seu melhor e que estava tudo bem fracassar, mesmo que fosse muitas vezes.
Chegou em casa, largou a bolsa em qualquer canto, preparou um balde de pipoca, assistiu vários filmes aquela noite, não iria pensar em mais nada, sua mãe havia perguntado como tinha sido a entrevista, ela só sorriu e nada disse. Não queria mais falar sobre aquilo, pensar no plano A, B, C, era a preocupação que tinha tirado várias noites do seu precioso sono, pesadelos constantes de um futuro incerto, ela estava se permitindo não se preocupar, se permitindo errar e levantar de novo para lutar novamente.
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O amanhecer estava lindo, mas ela acordou um pouco mal, parecia que tudo aquilo que tinha sentindo no dia anterior tinha sumido, era normal? Ela não sabia mais o que pensar, lembrou que sentir medo era normal, afinal ela havia feito algo fora do que ela estava acostumada, tinha que se lembrar que outras chances sempre viriam e que não adiantava chorar pelo leite derramado. Tomou um bom café da manhã junto com sua mãe, ela tinha o poder de lhe acalmar.
— Não me contou como foi ontem! — sua mãe disse tomando uma golada do café.
— Ah! Foi como em todas as outras — suspirou — Fiz algo que meio... é fora dos padrões, ontem eu estava me sentindo ótima, hoje eu estou em um misto de "Não deveria ter feito isso" com " Muito bem Lia!"
— A vida é a coisa mais engraçada do mundo, só que a levamos a sério demais — a mãe de Lia se levantou da cadeira colocando a louça na pia — O que fez está feito, o mundo não vai acabar por causa disso, seja sempre corajosa para fazer o que quer fazer, mas seja mais corajosa ainda para aguentar as consequências! Só não negue quem você é com medo delas — sorriu para a filha e se retirou da cozinha.
O que Lia mais tinha medo era não ser alguém, não se tornar alguém, mas na realidade ela já era alguém, e não era porque sua vida não era igual a de algum conhecido que isso negava a sua existência, não era um emprego que diria isso, ou um casamento, era ela mesma tomando consciência de si, igual tinha feito no dia anterior. Suspirou feliz, estava sim satisfeita com que tinha feito e arcaria com as consequências se fosse necessário. Ouviu o telefone tocar e foi prontamente atender.
— Alô, bom dia! Aqui é da empresa Green, poderia falar com a senhorita Lia?
— Pode falar, é ela! — sorriu, que começasse mais um dia.
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Fale sobre você.
RandomCansada de receber "nãos" em suas entrevistas de emprego, Lia pela primeira vez se questiona quem ela é. Com vários questionamentos comuns, quando nós não conseguimos realizar aquilo que queremos, ela entra em uma jornada de se reconhecer.