Ao seu lado

        Sexta-feira, seis da tarde. Os pontos de ônibus começam a encher. Julio remexe sua mochila, procurando o cartão da passagem, praguejando a quantidade infidável de papéis jogados lá dentro. Promete para si mesmo arrumar aquela zona, ao chegar em casa...e ao olhar para trás se depara com um anjo. "Anjos tem asas, babaca. Ela só é totalmente maravilhosa, e só" pensa ele. Não se aguenta e olha novamente para trás, e lá está ela, ouvindo música, cantarolando suavemente, sem pronunciar nenhum som, com os lábios levementes entreabertos, distraída. Julio quase cai ao subir os degraus do ônibus. Senta no primeiro banco perto da janela, e volta a admirar aquela beleza. "Irmão, que boca carnuda, ela é linda,cara! Esses olhos azuis, olha esse cabelo comprido..." Julio fala para si mesmo. Ela olha para cima e percebe Julio olhando-a, ela lhe oferece um sorriso, um tanto sem jeito, mas ainda assim, mortalmente sedutor. Julio estava hipnotizado, não conseguia tirar os olhos dela. Observou cada movimento, cada subir de degraus, cada palavra ao motorista, cada músculo se movendo ao passar na roleta do ônibus, cada passo, até que ela sentou ao seu lado. Ela sentou e sorriu furtivamente para ele, e disse: "Com licença." Ele debilmente balançou a cabeça em afirmativo, e olhou para frente. Não tinha coragem de olhá-la, mas sentia seu cheiro, sentia suas pernas se tocando, uma mecha do cabelo castanho caindo em seu ombro, ouvia a música que saia de seus fones de ouvido. Ela olhou em sua direção, ele não se virou. Ela olhou novamente e ele ficou paralisado, afinal, ele tinha de se lembrar como respirar.

        O anjo fechou os olhos e recostou se mais a vontade no banco, abraçando a mochila, como deveria ter abraçado uma pelúcia há anos atras. Julio sentiu inveja daquela mochila. Não se desligava da presença dela nem por um segundo, a sentia, a olhava, a desejava, nunca havia sentido esta necessidade por alguém. Percebeu, que a cabeça dela estava oscilando, que ela emitia um leve ronronar, e percebeu que ela estava cochilando...e sentiu se no paraíso. Olhou para ela como quem admira um quadro num museu,  reparou detalhes, tentando memorizar suas feições, a grossura dos lábios, a pinta do lado direito do nariz afilado, o formato do queixo e o formato tão suave dos olhos...e este momento para ele pareceu uma vida inteira. O ônibus fez uma curva, e o anjo despertou um pouco, olhou novamente para Julio, desta vez sem jeito, e lentamente, fechou-os novamente, e adormeceu. Mas desta vez, estava aninhada no ombro de Julio. Isso já havia acontecido com Julio várias vezes, mas sempre eram senhoras ou homens enormes e suados, mas um anjo, nunca. Ele desfrutou do toque da pele do seu rosto, sentindo sua pele queimar por baixo da camiseta de algodão que vestia. Aproximou o nariz e inspirou o perfume tão delicioso que emanava dela, enebriou-se dele. Precisava tê-la, precisava ser dela, era a única certeza que Julio tinha. Iria apresentar-se e conversar com ela assim que o anjo acordasse, ele tinha que fazer isso, ele precisava. Então, inesperadamente como chegou, ela acordou, olhou ao redor, franziu as sombrancelhas perfeitas e sorriu para Julio e disse: "Droga! Acabo de perder meu ponto!". E ela se foi. Não lhe deu tempo de responder, de dizer que a amava e que lhe queria para sempre. Ela se foi. Julio não acreditava em como podia ter deixado o amor de sua vida ir embora! Olhou para trás quando ela desceu, olhou-a pela janela do ônibus, e a viu ficar parada enquanto o ônibus seguia seu caminho e ele ia embora. Sentiu-se só, vazio, triste. O cheiro dela ainda estava no seu ombro. Olhava pela janela, vendo a cidade tão vazia, sem cor...Não percebeu quando sentaram ao seu lado. Sentiu um cheiro adociado de morango, curioso, olhou para seu lado, e ficou abismado com aquela doçura loura que havia sentado junto a ele. Olhou seus lábios, seu cabelo dourado, e ficou hipnotizado por ela, sabia que precisava falar com ela, precisava dela, desejava tê-la... e sentiu que havia encontrado o amor de sua vida.