Capítulo Sete - Parte 02

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A bicicleta estava em perfeito estado, e o jantar com Alice e Augusto foi divertido. Porém, logo depois do jantar, Anahí fez o café, deu um jeito na cozinha e se recolheu para o seu quarto. Havia coisas para fazer, como lavar e passar suas próprias roupas. E jantar com eles era uma coisa, passar a noite toda na companhia deles era outra, completamente di­ferente.

Por isso, foi ridículo ela se sentir solitária e rejeitada no seu pequeno aposento. Mais ridículo ainda porque, logo que se sentou, Pebbles veio e se enroscou no seu colo para dormir. A gatinha tinha passado dias maravilhosos no jar­dim ultimamente. Não tinha subido para o outro andar, se­gundo Anahí, mas esteve no escritório, enchendo o lugar de pelos.

Ela limpou o local e foi obrigada a não mexer mais nas caixas. Especialmente aquela que tinha a foto de Catherine. A foto estava no canto da mesa de trabalho de Alfonso, e ela a examinou.

Os olhos dela eram frios. Frios e calculistas, mesmo com aquele sorriso forçado. Anahí não gostou dela desde a primeira vez, e achou engraçado que Alice não tivesse gos­tado também. Ela se perguntava o que teria acontecido entre eles. Talvez Alfonso lhe contasse um dia.

Quando alguém bateu, Anahí deixou a gatinha de lado e foi abrir a porta.

— Desculpe incomodá-la — disse Alfonso. — Mas Alice quer lhe falar sobre a horta. Está toda animada com uma ideia que teve, um formato meio geométrico, e quer saber sua opinião.

— A minha opinião? — Anahí começou a rir. — Não sei nada sobre legumes e verduras. Só quero plantá-las. Como nunca tive um jardim, achei que seria interessante.

— Bem, ela quer falar com você, de qualquer maneira. Por que você não vem se juntar a nós, já que não está ocupada?

— Como sabe que não estou?

— Porque está toda cheia de pelo de gato — ele disse e saiu rindo.

E ela foi atrás.

Era impressionante.

Em apenas dois dias Alice, com alguma ajuda, tinha transformado a pequena área atrás do apartamento de Anahí em um lindo jardim interno, com trepadeiras para escon­der os muros do terreno, uma pequena horta com um can­teiro de ervas no centro, cercado de caminhos de cascalho. Ainda ia haver espaço para um banco, virado de frente para o mar e protegido do sol com a sombra de uma árvore próxima.

E de bicicleta nova, Anahí foi até a loja de jardinagem, ao lado do supermercado, comprou sementes de vagem, abobrinha, alface e cebolinha para plantar em volta da horta. Trou­xe com todo cuidado na cesta da bicicleta para plantá-las no dia seguinte.

Quando se aproximou da casa ela reduziu a velocidade ao ver duas mulheres no portão olhando para a propriedade.

— Posso ajudá-las? — ela perguntou, descendo da bicicleta. As duas se viraram sorrindo, visivelmente constrangidas.

— Ah, não. Estávamos só olhando — disse a mais velha das duas mulheres. — Eu morei aqui com meu marido até ele morrer, depois a vendi. Era uma casa de manutenção cara e com o incêndio... Eu só estava curiosa de ver como tinha ficado, mas isso não é da minha conta. Preciso esquecê-la. Mas, depois de 75 anos, não é fácil esquecer.

O olhar da senhora era tão melancólico que Anahí não re­sistiu, e num impulso perguntou:

— Gostaria de entrar para vê-la?

— Não pretendíamos incomodar ninguém, mas será que podemos? — a mulher mais jovem perguntou, enquanto sua mãe observava a propriedade com um olhar triste que como­veu Anahí.

— Não está incomodando — ela disse abrindo o portão e deixando-as entrar.

— Você mora aqui? — perguntou a filha.

— Sim, eu trabalho aqui. Mas meu patrão não vai se im­portar — ela disse com os dedos cruzados nas costas.

Alfonso estava exausto. Tinha trabalhado o dia todo, correndo de um lado para o outro, para cima e para baixo, verificando detalhes e deci­dindo várias coisas ao mesmo tempo quando os fornecedo­res traziam problemas atrás de problemas. E entre uma coi­sa e outra, ele esteve procurando pelo testamento, sem sucesso. Ele só queria tomar um banho, vestir roupas limpas e re­laxar no jardim com um bom copo de vinho.

Só não esperava chegar em casa, na sua casa, e encontrar Anahí sentada com duas estranhas tomando chá na sua sala de jantar! Ele parou na porta e ela lhe lançou um olhar suplicante, dizendo:

— Ah, Alfonso, chegou bem na hora. Esta é a senhora Jessop. Foi o marido dela quem construiu a casa original, era ela que morava aqui, antigamente. E esta é sua filha, sra. Gray.

Ele respirou fundo e foi cumprimentá-las, mas seu olhar para Anahí era de crítica. Anahí ficou firme e não desviou seu olhar até que ele desistiu de enfrentá-la, e sorriu para as duas senhoras.

— Sra. Jessop, que prazer conhecê-la. — E ao segurar sua mão frágil, de dedos retorcidos, e fitar seus olhos cansados, que já tinham visto muita coisa e que perderam tudo, sua raiva desapareceu.

— Espero que não se importe com a nossa presença — disse a sra. Jessop, segurando sua mão. — Não queríamos forçá-lo a nada, mas Anahí nos garantiu que não se importaria, e foi tão maravilhoso poder entrar aqui novamente... Pedi a minha filha Joana para me trazer aqui, para olhar da rua mes­mo; nunca imaginei que seria convidada a entrar.

Nem ele imaginou isso, mas ficou extremamente feliz por Anahí ter recebido estas senhoras. Então, ele puxou uma cadeira e sentou-se do seu lado, ainda segurando sua mão.

— Não me importo de maneira alguma. Estou feliz de poder conhecê-la e ter uma chance de conversar com a senhora. Não sabia que foi seu marido quem construiu a casa original, do contrário já a teria procurado.

— Ah, foi sim. Ele construiu esta casa logo depois de nos casarmos, em 1934.

— Em 1934?! Mas foi há mais de 75 anos!

— Por isso me sinto como se tivesse 96. — ela disse, sorrindo.

— Nossa! Tomara que eu fique tão bem quanto a senhora quando tiver sua idade.

— Não se sinta obrigado a elogiar.

— Mas sou obrigado a reconhecer como está bem.

— Gostei de você, meu jovem, e gostei da sua casa. Meu marido teria gostado de conhecê-la. Não tivemos dinheiro para construir algo assim tão grandioso, mas, se pudesse, ele teria adorado. E você ainda tem um belo gramado. Ninguém entendia o motivo de não plantarmos nada nele, mas com esta vista linda quem precisa de mais alguma coisa?

— Concordo plenamente. — Ele se virou para a outra se­nhora e se desculpou: — Perdoe-me, não lhe dei atenção, meu nome é Alfonso — disse. — Então, você deve ter muitas lembranças de infância.

Lar da Paixão (ADP)Onde histórias criam vida. Descubra agora