Único

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No atual mundo em que nos encontramos, com os telejornais a gritar desastres e desgraças, a única coisa que achei ser impossível existir era o amor.

Tentei ao máximo não deixar com que o ódio e a ganância me parecessem normal. Mas essas coisas são tão frequentes que é difícil surpreender-me mais.

E então, deixei com que a rotina me dominasse e que todos os meus movimentos se tornassem automáticos. Não havia atipicidade em meus dias fajutos, e logo me conformei com isso.

Mas sabe, nada dura para sempre. Eu sei disso, só nunca me importei.

"O amor vem de pequenas coisas". Ouvi isso da minha professora de literatura enquanto ela amarrava um lenço vermelho nos cabelos castanhos. Mantive tal frase em minha cabeça, senti que me seria útil, em algum momento.

E mais uma vez, no terminal de ônibus, a playlist reiniciou pela terceira vez desde que saí de casa. Deixei a música soar no volume máximo, por mais que eu já tivesse enjoado dela faz tempo.

Uma garota de fios castanhos estanca na minha frente, acenando freneticamente com as mãos. Tiro um dos fones.

– Com licença, foi mal incomodar, mas meu amigo ali disse que achou você bonito. – Ela sorriu, apontando para um ponto perto da cantina, onde um garoto de cabelos esverdeados estava apoiado na parede.

Com meu olhar, ele corou e desviou o rosto para baixo. Puxou o capuz, escondendo os cachos e os olhos de cor igualmente verde. Apertei os olhos, voltando a olhar para a garota. Ela piscou e entregou-me um bilhete. Nele havia um número de telefone e uma frase: "O meu nome é Midoriya Izuku e eu gosto de como o vermelho e o branco de seus fios contrastam com seus olhos igualmente de belas cores".

E então, a garota de sorriso contagiante voltou para o lado do tal Midoriya. Eu, levemente contente pelo fato incomum quebrar a rotina robótica que eu levava diariamente, guardei o bilhete no bolso. Não que eu fosse chamá-lo, não é de meu feitio aproximar-me de pessoas desse jeito. Muito menos um garoto que claramente tinha algum tipo de interesse afetivo por mim.

Apenas guardei seu rosto avermelhado em minha memória e subi no ônibus que acabara de chegar.



Após chegar da faculdade de engenharia, dirigi-me até meu quarto. O cansaço acumulado pesava em meus ombros, e só me permiti respirar fundo assim que larguei a mochila sobre a cama. Retirei o casaco lentamente, e cacei meu celular no bolso da calça. Foi com certa surpresa que vi um pedaço de papel planar lentamente até o chão. Logo lembrei da garota de olhos castanhos e, consequentemente, do garoto.

Suspirei.

Não me considero um ignorante de fato, só não enxergo cores no que todos dizem ser uma bela aquarela. A falta de emoções em meus dias são consequências disso. Não busco algo novo, por mais que eu quisesse me livrar, ao menos um pouco, da rotina.

Naturalmente, o papel encontrou seu destino no lixo.

***

Notei Midoriya e a garota no mesmo lugar, ao lado da cantina, conversando. O garoto parecia mais cabisbaixo enquanto ela ria e falava sem escrúpulos.

Na tentativa de não ser notado por eles, camuflei-me entre as pessoas que aguardavam o ônibus junto a mim. A música interrompeu-se e a fotografia de minha mãe apareceu no display. Retirei os fones e desconectei-o do celular.

Atendi e, como sempre, fora ela a falar primeiro:

– Shouto, você almoçou bem? Me atrasei e não consegui chegar à tempo e preparar o almoço.

De pequenas coisas, vocêWhere stories live. Discover now