|| Pedro Amaral ||
- Olá pai. - saudei, passando a mão pela sua fotografia que a campa abrigava. - Cheguei agora do Caixa Futebol Campus, o último treino antes do jogo que temos amanhã. É o primeiro da época e é difícil mas não tenho medo. Porque tu ensinaste-me que, mesmo que eu tenha medo, é com medo que tenho de ir. Seguir em frente, porque esse é o único caminho. No futebol, eu faço isso mas continuar a minha vida sem a tua presença, não me peças porque eu não vou conseguir. Eu tento. Todos os dias, eu tento. Juro que sim. Pela mãe, principalmente. Esta que tenta ser forte por mim e, assim, os dois vamos juntando as forças que não sabemos que temos mas, quando damos por nós, lá estão elas a apoiar-nos. Tenho a certeza que és tu. Todos os dias, recordo aquela tarde em que me ensinaste a andar de bicicleta. A tua insistência para retirares as rodinhas de apoio da roda grande que terminou com uma ferida no meu joelho e que me rendeu alguns gritos. Lembro-me de me dizeres que existiam coisas piores que aquele simples arranhão. Jamais pensei que, um dia, teríamos de as enfrentar e que, elas seriam a principal razão pela qual já não estás ao meu lado. - limpei as lágrimas, enquanto não evitava um sorriso com as bonitas lembranças que me atingiam. - Mas mais do que isso, lembro-me do dia em que me puseste, pela primeira vez, uma bola nos pés. Ali, eu soube que era amor para a vida toda. Sim, exatamente como aquela canção da autoria de um dos talentos portugueses. Ou aquela tarde em que pisei os relvados do melhor clube do mundo. Ali, eu soube que daria início a uma história no qual, mesmo sendo a personagem principal, jamais conseguiria escrever todos os capítulos até hoje terminados sem a ajuda da tua caneta. Aquele apoio, aquela dedicação, aquele incentivo, aquele amor, pai. Sem eles, eu jamais seria o Pedro que hoje sou. Ficou tanto por dizer e tanto por fazer. Mas sou grato por tudo aquilo que dissemos e por tudo aquilo que fizemos. Lembro-me de me dizeres que, já não conseguias ser forte e me pediste que o fosse. Tenho tantas saudades tuas. Elas são tão grandes que não consigo expressar por palavras a falta que me fazes. Só te quero agradecer por continuares a iluminar o meu caminho e a seres o melhor pai do mundo. Não estás ao meu lado, mas estás do meu lado. Eu sinto isso, todos os dias. Obrigado por continuares a apoiar-me em cada jogo e em cada desafio a que a vida obriga. Obrigado por te fazeres tão presente, mesmo estando tão longe. Sinto saudades tuas, todos os dias. E sinto-te comigo, todos os dias. Amo-te muito, pai. - despedi-me, levantando-me e sacudindo o pouco de terra que nas jeans tinha.
Peguei o meu saco de treino e comecei a andar para a saída do cemitério mas, uma voz melodiosa e doce fez-me parar a marcha. Olhei na direção da mesma, observando uma figura feminina que, sentada junto da campa de alguém, dedilhava de forma rápida, mas habilidosa, a guitarra acústica e, simultaneamente, cantava o tema que eu incluira na conversa de hoje que tivera com o meu pai. Amor para a vida toda, da autoria de Carolina Deslandes. Sorri com tal coincidência e virei costas, acelerando o passo, mas logo parando novamente. Eu sentia a imensa necessidade de ir ao encontro daquela rapariga cuja voz transparecia a dor que eu tão bem conhecia: a da perda.
Engoli em seco e em vez de caminhar para o exterior, dei por mim a chegar cada vez mais perto da jovem que, pelos seus traços físicos, deveria ter a minha idade.
Esperei que ela terminasse a canção para me fazer presente, uma vez que ainda não me notara.
- Sinto a tua falta, todos os dias, Francisco. Quem me dera que aqui estivesses. Seria tudo tão mais fácil. - ouvi-a dizer, entre lágrimas, e senti o impacto de todas as suas palavras. Não havia um dia em que eu não sentisse o mesmo.
Observei a pessoa que ela visitava e os olhos quase me saltaram da cara ao notar a fotografia de um miúdo que, não deveria ter mais de oito anos naquele retrato. A data de óbito era de à doze anos atrás.
- Quem és tu? - ouvi perguntar e rapidamente despertei dos meus pensamentos, focando o meu olhar na rapariga que, agora, me apreciava de forma curiosa. O verde dos seus olhos, o castanho mel dos seus cabelos e o moreno da sua pele eram realmente fascinantes.
- Desculpa. - pedi, um pouco atrapalhado. - Ouvi-te cantar e não pude deixar de vir cá dizer-te que cantas muito bem e, que a pessoa a quem dedicaste a música, muito provavelmente concorda comigo. - respondi e a sua risada tímida fez, igualmente, rir.
- Obrigado. - agradeceu, bastante constrangida, o que não deixava de ser engraçado. - É o meu irmão gémeo. Tinha oito anos quanto partiu. - apontou para o retrato que contemplara momentos antes.
- O meu pai. Partiu no passado ano. - decidi, igualmente, partilhar a razão pela qual aqui estava.
- O meu irmão tinha uma rara doença no sangue, um cancro, que os médicos nunca foram capazes de identificar qual era. A quimioterapia e a radioterapia não foram suficientes para a cura. Aliás, muito o corpo de um menino de oito anos aguentou naquela altura. Eu tinha a mesma idade mas, jamais, esquecerei o sofrimento do meu irmão e a força que ele teve até ao fim. A minha inocência de criança foi-me tirada naquele dia. Eu não sou exemplo para ninguém. O verdadeiro exemplo da vida partiu à mais de uma década atrás, numa jornada cujo tanto caminho ainda tinha para percorrer. - ela guardava as suas coisas, enquanto deixava a sua revolta falar. Notei a falha na sua voz e alguns segundos depois, escutei o seu fungar. Eu realmente queria abraçá-la naquela altura e a tranquilizar com apenas os meus braços, uma vez que as palavras jamais seriam suficientemente confortantes num momento como aquele. E sentia, simultaneamente, que ela precisava de desabafar com alguém que, sendo desconhecido e imparcial, jamais a julgaria pela revolta que vivenciava.
- O meu pai batalhou o cancro durante alguns anos mas, infelizmente, acabou por perder a luta em Julho do passado ano. No entanto, o verdadeiro vencedor é ele. Por tanta coisa: pela forma como encarou a realidade que lhe batia à porta, a como nos obrigou a encarar a mesma da forma mais positiva possível, para que se tornasse um pouco mais fácil, e a forma como nos preparou para a sua partida. Ele é um verdadeiro herói. Se, um dia, puder ser metade do homem e do pai que ele foi e é, podes ter a certeza que partirei feliz desta vida.
- Eles são verdadeiros heróis que, partiram mais cedo para provar que os anjos realmente existem. - afirmou, enquanto me olhava atentamente e naquele momento, senti-me um livro aberto diante daquela que era a leitora mais bonita que eu já vira na vida.
- Não podia estar mais de acordo. - murmurei, demasiado preso no olhar daquela rapariga de vinte anos que, era tão mais parecida comigo do que aquilo que eu pensava.
- Francisca Nobre. - esticou a sua mão e eu sorriu com a sua apresentação.
- Pedro Amaral. - retribui, encaixando a minha mão na sua, que ela logo tratou de apertar.
E ali, eu soube que estávamos marcados pela ferida que jamais iria sarar e pelo sentimento que jamais desaparecia: a dor.
Ali, aqueles dois corações que na dor se perderam, seriam os mesmos que no amor se encontrariam.
Olá! Aqui estou eu com outra história, depois de muito debater se a deveria publicar ou não. É um shortfic que surgiu do acaso e que terá seis partes publicadas. Como podem reparar, tem como personagem principal um jogador da equipa B do Sport Lisboa e Benfica, alguém com quem eu nunca antes escrevi e que foi um desafio enorme para mim, também porque grande parte do enredo vai ser descrito pelo Pedro. Além disso, trago um assunto que é uma realidade e que eu procurei a tratar da forma mais respeitosa possível.
Espero que fiquem desse lado e se quiserem deixar a vossa opinião, ficarei muito grata! Muito obrigado por mais uma oportunidade dada, vocês que são incansáveis! ❤️
Um beijinho e até ao próximo!
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Fénix | Pedro Amaral
FanfictionDois jovens adultos. Dois corações que na dor se perderam. Dois corações que no amor se encontraram.