Luccino só ouviu a batida na janela porque não estava dormindo. Nem chegara perto, na verdade. Além de toda a ansiedade do dia e a preocupação com o amigo, ser interrompido quando estava com Otávio o deixou agitado. Interrompido outra vez, porque isso já era de praxe. Era quase como se o universo conspirasse para que eles não pudessem ter um minuto de privacidade.
Não que ele não estivesse contente com a libertação de Brandão, é claro. É só que... bem. Ele finalmente reunira coragem para pedir a Otávio que passasse a noite ali. As palavras escaparam quando Otávio fizera menção de sair, meio afobadas e engasgadas, embora Luccino pensasse em dizê-las há muito tempo. Certamente desde que se mudara para a casa de Brandão. E até antes, em sonhos acordados antes de dormir, nos quais imaginava Otávio entrando pela janela do seu quarto e deitando ao seu lado até o sol raiar. As fantasias variavam: algumas inocentes, outras...
Na época, ele nem cogitava a ideia de fazer a proposta de fato. Eles nem estavam oficialmente juntos – eram só pensamentos que o mantinham aquecido nas noites solitárias, e que eram seguidos por momentos de culpa e vergonha asfixiantes. Mas desde que se acertaram, e como ele agora morava na casa do coronel, que sempre deixava claro que Otávio era bem-vindo...
Luccino não tinha pensado, só reagido: impediu-o de se levantar, segurou sua mão. Fica comigo esta noite. Otávio tinha assentido e ele sentiu um arrepio, um frio na barriga, inundado por uma expectativa que pareceu aquecer seu corpo inteiro.
Era nisso que estava pensando e que o mantinha acordado quando vieram as batidas de leve contra a madeira.
Sentou-se depressa, o coração acelerado. Atirou as cobertas para o lado e foi destrancar a janela. Sentiu o rosto se abrir num sorriso quando o viu.
– Você está doido? – perguntou num sussurro, mas não havia nenhuma reprovação em sua voz.
– Quer que eu vá embora? – retrucou Otávio. Seu tom não tinha nada daquela hesitação de quando eles ainda estavam se conhecendo e falavam em meias-palavras e sugestões, sempre testando um ao outro. Este Otávio era ousado, direto, provocador. Luccino adorava-o assim. Os sorrisos que trocavam eram de puro entendimento, um diálogo numa língua que só eles dois falavam e mais ninguém.
– Claro que não – ele disse. – Venha, entre logo!
Otávio pulou para dentro com agilidade que ganhara com a prática. Luccino ignorou a pontada de dor que a lembrança de casa sempre lhe causava e fechou a janela.
Virou-se para o namorado. O quarto estava na penumbra; o luar entrava pelas frestas da madeira. Otávio era só uma silhueta enquanto seus olhos se acostumavam à escuridão, mas ele quase preferia assim. À luz do dia, parte dele sempre se preocupava que seriam vistos. Mas o coronel jamais entraria sem bater – provavelmente já estava descansando. Ali, naquele cômodo escuro e fechado, era como se fossem as únicas pessoas do mundo. Como se tivessem todo o tempo do mundo.
Quantas horas até o amanhecer? Não o suficiente. Nunca o suficiente.
Aproximaram-se, movendo-se ao mesmo tempo. As mãos de Otávio subiram por seus braços e enlaçaram seu pescoço. Ele abraçou a cintura de Otávio. Aproximou a testa da dele, até se encostarem e sua respiração se misturar no quarto silencioso e imóvel.
– O coronel está dormindo – ele sussurrou.
Otávio assentiu com um aceno mínimo da cabeça.
– Acha que é muito atrevimento eu ter vindo aqui?
– Você nunca perguntou isso quando invadia minha casa.
– Eu sempre perguntava! – Otávio objetou.
Luccino riu baixinho.
– Mas sabia que eu não me incomodava.
– Não sabia com certeza – respondeu o outro, acariciando sua nuca. – Só esperava que fosse o caso. Que você... – A voz dele ficou ainda mais baixa. – Que você quisesse minha companhia tanto quanto eu queria a sua.
Luccino respondeu com um beijo, porque finalmente, finalmente estavam sozinhos e ele não tinha que resistir com todas as suas forças contra algo que lhe parecia tão natural quanto respirar, aquilo desejava fazer sempre que Otávio estava por perto: ficar ainda mais perto. Otávio inspirou com força, mas a surpresa morreu em um segundo e deu lugar à reciprocidade.
Dedos se fechando em seu cabelo, a boca desesperada contra a sua, os corpos colados como se tentassem recuperar a proximidade que lhes era roubada no dia a dia.
Recuaram alguns passos, até que Otávio bateu contra o lado da cama, desequilibrou-se e caiu sentado sobre ela. Mais risos abafados. A luz que entrava pelas frestas da janela cortou o rosto de Otávio, que ergueu os olhos para ele, sinceros e abertos. Então Otávio tomou uma mão entre as suas e a beijou delicadamente.
Luccino engoliu em seco.
– Não vai dormir de sapatos, vai? – perguntou.
Otávio sorriu, provocador outra vez.
– Vou dormir?
– Ainda não – ele respondeu. – Não por um tempo.
Outro aceno mínimo de Otávio. Ele amava como eles se entendiam com um olhar, um gesto. Podia ver o nervosismo de Otávio no modo como seu sorriso vacilou e ele engoliu em seco – e Otávio provavelmente reconhecia a mesma emoção nele, pelo jeito que esperava em pé ao lado da cama.
Mas Luccino não sentia medo. Nem hesitação, nem vergonha, nem culpa: tinham sido todas substituídas por desejo e amor e ternura. Lá fora eles podiam ter que se preocupar com o que todos iam pensar e dizer, mas entre eles havia apenas algo belo e puro, uma conexão que ele sempre quis – e nunca esperou realmente – encontrar. Eles descobririam como seguir em frente do mesmo modo como tinham dado todos os passos naquela jornada até então: juntos.
Otávio soltou sua mão e tirou os sapatos, que empurrou para o lado. Recostou-se na cabeceira e estendeu as pernas, então ergueu os olhos num convite. Luccino sentou-se de frente para ele. Não conseguiu controlar o sorriso, nem o instinto que o atraiu para outro beijo demorado.
Afastaram-se. Seus olhos se encontraram. As mãos de Otávio emolduraram seu rosto: dedos suaves o acariciaram como se descobrissem algo raro e belo. As palavras saíram numa exalação:
– Meu amor.
Ele sentiu o coração dar um salto. Reconheceu-se nelas mais do que em seu próprio nome.
– Fica comigo esta noite – ele disse pela segunda vez naquele dia.
– Esta e todas as outras – foi a resposta, então eles não conversaram mais.

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Fica comigo
FanfictionCena extra de 01/09 porque ninguém aguenta mais todo mundo interrompendo Lutávio e o Brandão não teve a decência de passar uma noite na cadeia