Um alto barulho soa me assustando. Espio pela janela, você estava lá fora. Estranho... deveria só haver eu aqui.
Estava derrubando o muro que me cerca, que me protege do mundo. Um sentimento ruim me invade. Minha vontade era de sair daqui e ir falar contigo, brigar contigo até perder a voz. Mas eu não podia fazer isso. Eu ainda estava preso dentro de mim, com medo do que me esperava lá fora.
Você vinha todos os dias e eu a observava pelas janelas que eram meus olhos. Fazia barulho no silêncio que era dentro de mim. Tentava entrar no meu refúgio que apenas eu sabia o caminho. E pouco a pouco derrubava o muro que demorei anos para construir em volta de meu coração.
Isso me assustava.
Pouco a pouco eu ficava mais desarmado. O seu olhar doce me encantava. Seu perfume virou a minha fragrância favorita e seu sorriso a minha droga. Você já tinha derrubado meu muro e me tirado de meu refúgio.
Enfim eu estava feliz, nós estávamos felizes. Mas por que? Por que teve esse trabalho todo se iria me abandonar como os outros?
Eu falei para você não se envolver com aqueles homens, eu falei para você parar de fumar aquele negócio e também falei para você sair dessa vida. Mas por que você não me escutou? Por que você teve que se envolver ainda mais com isso?
Você já não era consumidora, você era comerciante.
Eu te pedi para não aceitar aquela arma quando te ofereceram, te pedi para não ir com eles roubar as coisas daquela família inocente. Você disse que daria tudo certo, mas não deu.
Foram dois meses com você presa. Dois meses sem você.
Você sempre foi muito inteligente, SooJiah. Me pergunto ainda hoje o motivo que te levou para esse caminho. Você sabia que não teria volta e que haveriam apenas dois desfechos para isso: Ou cadeia, ou morte. Foi por ganância? Vontade de ter, mas preguiça de fazer por onde?
1 de fevereiro. Você saiu e eu fui na sua casa. Fui te ver.
Você não questionou o motivo de eu não ter ido te visitar enquanto estava presa lá, inclusive você me agradeceu, disse que não queria que eu a visse naquele lugar. A verdade é que sim, eu havia ido, mas não me deixaram entrar. Eles nunca deixam.
Naquele dia nós aproveitamos bem, brincamos, comemos e bebemos. Relembramos nossa infância e como nos conhecemos na escola primária. Era bom rir lembrando de como a você com sete anos queria me bater por eu ter pego sua caneta favorita. Também era bom saber que mesmo com os rumos diferentes que havíamos traçado; nós ainda estávamos juntos. Você era minha melhor amiga desde sempre, SooJi, e nós havíamos prometido de dedinho quando menores nunca deixar o outro sozinho. Mas você foi fraca. Assim como Eva, quis comer do fruto proibido. Você não cumpriu a promessa. Você me deixou.
Estava anoitecendo e eu tinha que voltar para casa. Eu havia dito ao meu pai que iria a biblioteca estudar, mas fui ver você. Ele não gostava de quando eu ia te ver. Seu bairro era perigoso e todos sabiam disso. Eu estava com uma sensação estranha, mas você disse que deveria ser algo que eu comi e sorriu. Quem dera fosse realmente isso.
Você estava me acompanhando até a saída de sua comunidade. Seu bairro era realmente estranho, totalmente diferente do meu. Andávamos por becos e vielas esquisitos. Eu não me importava, sempre andava por ali tranquilamente mas, naquele dia, eu realmente não estava tranquilo. Sabia que algo aconteceria, mas não sabia o que.
Lembro-me de ter sentido sede e entrado em um barzinho aleatório que tinha por ali, entre os barracos feitos de madeira. Pedi uma garrafa de água, entreguei o dinheiro, escutei três disparos e o barulho de uma moto acelerando. Me virei rapidamente para ver o que havia acontecido e me deparei com você ali, caída no chão com o peito e ombro sangrando. Corri e ajoelhei-me ao seu lado.
Ainda me lembro de cada detalhe.
Você parecia estar muito cansada. Respirava pela boca com dificuldade, se engasgava e vez ou outra tossia. Um tosse seca banhada de sangue. Minhas mãos pressionavam as perfurações numa tentativa quase falha de estancar o sangue. Você agonizava em meu colo, olhando fixamente para mim e então você sorriu. Prometeu entre engasgos que iria ficar tudo bem, deixou uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto manchado de sangue e fechou os olhos.
Lembro que entrei em estado de choque, na verdade acho que estou nele até hoje. Não conseguia chorar, não conseguia falar, não conseguia me mexer, não conseguia sentir. As pessoas diziam que a ambulância estava vindo e fiquei ao seu lado, quando ela chegou não me deixaram ir contigo e me mandaram ir para casa. Foi estranho voltar aquele dia, você sempre me acompanhava até a saída da favela e eu te comprava um doce na bomboniere, mas isso não aconteceu.
Você tinha muitos inimigos que queriam sua morte e talvez aquela família que você roubou não fosse tão inocente assim.
Você ficou duas semanas em coma, eu tentei te visitar mas novamente não me deixaram entrar por não ser da família. Ao menos me deram a informação que que você estava em coma na UTI. Seu pulmão havia sido perfurado por um dos disparos que por pouco não acertou em cheio o coração, mas mesmo após a operação suas chances eram mínimas. Os tiros haviam feito um estrago e tanto.
15 de fevereiro, 18:15 da tarde. Eu estava saindo da escola e seu irmão seu estava lá, parado rente a um árvore olhando para mim. Ele estava arrasado, me contou que você havia acordado por breves instantes durante a semana e que já estava estável a alguns dias, mas após uma complicação seu coração deixou de cumprir seu dever e você havia voltado a fechar os olhos.
Você desistiu. Você me deixou. Não cumpriu com nossas promessas. Mas ainda assim eu te aceitaria de volta se você aparecesse sorrindo em minha frente.
Eu não fui ao seu enterro. Não queria ter a imagem de você morta em um caixão. Não queria ter de dizer meu último adeus, até hoje não quero.
Até último minuto
-Kim SeokJin
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