VII - Adeus, céu azul

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As horas passaram, lentas como de costume. Sophia não poderia ajudá-los, só poderia ficar ali, rezando à todos os santos que conhecia para que todos ficassem bem. Sua tristeza chamou a atenção de seu mais novo amigo.

Ela notou que alguém estava na cabine. Era um garotinho de cabelos negros e bagunçados, embaixo de um chapéu idêntico ao de Santos Dummont. Seus olhinhos azuis-escuros eram cheios de inocência, e seu tamanho pequeno era realçado pelo casaco que deveria ser 2 vezes o seu tamanho. O casaco era surrado, sua bermuda era marrom, cheia de remendos e a camisa que vestia estava suja de cinzas.

- Te machuquei?
- V-V-Você... É o fantasma do trem...?
- Sim. Por que choras?
- Eu tenho medo de perdê-lo.
- Seu amigo?
- É. Eu o amo...
- Sei. Nathaniel.
- Quê?
- Meu nome é Nathaniel, e o seu?
- Sophia.
- Lindo nome. Ei, como é ser crescida?
- Hm... Não sei te dizer. Como era sua vida?
- Eu nasci bem longe da terra do Boris e bem longe daqui, lá no que chamam de Reino Unido. Mamãe dizia que o rei iria nos proteger.

' Daí, papai foi pra guerra. O tempo passou, papai não voltou. Eu fiquei com raiva, porque o rei não nos protegeu, e ele não veio pra casa, e fugi. Havia uma grande linha de ferro e eu estava andando em cima dela, rumo à Londres. Lembro de ter sentido a pior dor da minha vida, fui puxado para baixo, e...

O garotinho começou á chorar. Quando ia abraçá-lo, Sophia acabou só com o vento. Por mais que quisesse, era um fantasma. Chorando e soluçando, as dolorosas memórias ao relento.

- Doeu tanto...! Eu pedi ajuda, mas foram me puxando, o trem não parou por nada.. Eu vi a parte de baixo do trem, e depois veio a dor, e daí mais nada.

' Alguns tempos depois, eu acordei e já não era mais o mesmo. Eu era muito grande, e ninguém me entendia. O céu já não era tão azul, me chamavam de menino velho, tiravam fotos, eu ia e vinha sem saber o que estava acontecendo. Quando notei, eu era o Flying Scotsman. EU.

- Mas você era tão jovem.. - ela lamentou.
- Eu (hic) sei, mas ele não fez nada! A (hic) guerra... Não (hic) fui eu!
- Não é culpa sua.
- É culpa dele, Sophia!!

Ainda com raiva, Nathaniel desapareceu. A locomotiva começou á chacoalhar sozinha, rangendo e batendo com força as rodas contra os velhos trilhos.

- Me desculpa, Nathi. Se soubesse que te machucaria tanto, eu não teria perguntado.

Sophia tocou o gigante de ferro, e chorou suas lágrimas. Pesadas lágrimas, frias e cheias do mais puro sentimento de solidão, tristeza e bem no fundo, um pouco de alegria. Nathaniel estava coberto em tristeza, mas no fundo, havia uma ponta de alegria por ter encontrado uma verdadeira amiga.

Enquanto isso, em São Paulo, Heitor, Montaque e Cinderella pairavam sobre a casa da velha Carolina.

- Ela irá me ver?
- Vai.
- E se não aceitar minhas desculpas?
- Vai dar tudo certo, oras!

Os dois fantasmas atravessaram a parede, e encontraram a idosa na sala de estar, bordando um vestido para Bruna. Heitor derrubou um abajur.

Ela catou o abajur, e quando olhou para cima, não acreditou nos próprios olhos.

- M-Montague... Céus, é você!

A idosa viu o fantasma. Depois de décadas, havia reencontrado seu primeiro amor. Há tempos atrás, quando ela ainda era jovem, se apaixonou por um americano chamado Connor Montague Clegg, um caçador de Thunderbirds. Ele ficou 7 anos no Brasil, e os dois trabalharam juntos. Tendo acabado a odisséia, o pai dela exigiu que se separassem. O americano não quis que ela sofresse, e obedeceu o pedido. Não tardou para que encontrasse o cruel destino, sem ao menos dar adeus.

- Achei que jamais à veria, minha flor.
- Faz tanto tempo.. Isso jamais deveria ter acontecido.
- Não se preocupe mais, minha flor. Eu nunca deixei de te amar, apesar de todos os erros que cometi.

A lua brilhava alto no céu, iluminando o redescoberto amor que nem mesmo a morte separou.

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