Conto

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Dizem que coisas horríveis acontecem em momentos igualmente aterrorizantes e inoportunos; é a terrível lei de Murphy. Normalmente não levamos essa lei, que existe tal qual a da gravidade, em consideração em nosso dia-a-dia, mas te garanto que ela está aí, nos rondando e procurando o melhor - ou o pior - momento de se valer acontecer.

Estas linhas de texto que lhe apresento a seguir não se trata, no entanto, de uma história com este tema, mas é sim um caso em que essa lei se fez presente de uma das piores formas possíveis.

Era apenas mais uma noite qualquer, de um dia qualquer da semana. O céu, despreocupado, exibia seus milhões de pontos brilhantes. Um enorme sorriso fosco prateado deixava a noite ainda mais sinistra.

E, ouvia-se latidos longínquos e, além disso, quase nada mais quebrava o silêncio. E foi por aquelas bandas afastadas, onde a noite arrastava-se vagarosamente por entre a multidão de árvores que repousava à margem da estrada, que Marta acelerava seu Ford Fusion. Voltava ligeira da capital, onde havia passado o dia com sua mãe e suas irmãs. No banco do carona, ao seu lado, Bárbara, sua filha, estava confortavelmente acomodada, coberta por uma manta fina, e olhava fixo a estrada escura à frente, iluminada somente pelo farol do carro.

O silêncio imperava naquele ambiente. Marta nunca dirigia com o som ligado, pois lhe tirava a atenção do trânsito e Bárbara estava com os fones nas orelhas, mas não tocavam nada, estavam desligados; ela já estava enjoada de todas as músicas do seu celular. Como a maioria dos adolescentes de quinze anos, ela gostava de novidades. Elas quase conseguiam ouvir uma à outra respirar. O ar condicionado marcava dezesseis graus e elas preferiam assim; no entanto, de tempo em tempo, Marta ajeitava o casaquinho contra o corpo.

Uma música começou a gritar, vindo do console, logo em um momento de devaneios, com pensamentos longínquos. Em um sobressalto as duas se olharam, tremeram por alguns instantes com os olhos estalados e boca semi abertas, e depois passaram a rir. Bárbara mexeu-se rapidamente em busca do celular da mãe que tocava sem parar.

- Alô?

Por estarem na estrada, onde o sinal não alcançava muito bem, uma voz estranha, meio robótica, foi interrompida algumas vezes por um ruído branco, impedindo de compreender qualquer palavra.

- Alô? - continuou Bárbara. - Alô? Alô?

- É a tia Nice - disse a voz, agora feminina e familiar.

- Oi, tia, a mãe tá dirigindo.

- Eu sei, filha, mas é melhor vocês voltarem para cá. Fala para sua mãe dirigir de volta.

- Aconteceu alguma coisa, tia? Tá tudo bem?

- A minha mãe... sua vó, ela não está muito bem. Acho que não vai resistir. - Tia Nice deixou escapar um soluço de choro.

- Mas acabamos de sair daí, tia. O que houve?

- Por favor, avisa sua mãe, mas não a assuste, ela está dirigindo. A vó está chamando por vocês.

A mocinha no banco do carona estava branca feito papel. Mesmo depois que sua tia terminou a ligação, Bárbara continuou com o celular na orelha por um tempo pensando em um modo de contar para a mãe o ocorrido. Mas Marta percebeu o estado em que se encontrava a filha.

- O que aconteceu, Bárbara? Era a tia Nice?

- Sim, mãe. É melhor você parar o carro.

- Por quê? O que houve? - perguntou Marta com o coração já começando a acelerar na medida em que ia tirando o pé do acelerador.

Marta freou o Fusion e saiu da estrada para um acostamento improvisado de chão de terra, já que aquela era uma estrada secundária e não possuía acostamento próprio.

Olhos VermelhosOnde histórias criam vida. Descubra agora