Lembranças

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O problema é que o disco do freio dianteiro travou. Uma tremenda falta de sorte. Eu estava a quase 100 km/h com a minha moto e o maldito disco do freio dianteiro travou bem em cima de uma mancha de óleo.

     Eu caio e rolo.

     Eu rolo pelo asfalto da rodovia.

     Uma tremenda falta de sorte.

. . .

     Eu tinha dezoito anos de idade e sonhos que transcendiam aos limites da minha realidade. Eu queria ser empresário, trabalhar em uma grande empresa e ganhar bem (na verdade eu sonhava em ganhar muito bem!), e ao mesmo tempo eu queria poder viajar por todos os cantos do mundo conhecendo novos lugares, novas culturas, e ver o que eu nunca vi. Eu queria poder comprar carros e casas sem me importar com o valor, e ao mesmo tempo eu queria ter com quem dividir o prazer de possuir tudo isso. Seria possível? Seria possível viver todos os sonhos ao mesmo tempo? Não para mim. Eu tive que fazer sacrifícios. Eu tive que escolher quais sonhos eram mais convenientes.

     Aconteceu no último ano da faculdade.

     — Jorge — disse o meu pai, o cara alto e paranoico com quedas de cabelo —, nós vamos passar o feriado do carnaval no sítio do seu avô. Você vem conosco?

     — Não vai dar — respondi, apesar de desejar poder ir. — Preciso estudar e fazer alguns trabalhos para a faculdade.

     Mesmo cabisbaixo, ele balançou a cabeça em aquiescência.

     Na manhã do dia da viagem, acordei com o cheiro de bolinhos de chocolate que minha mãe havia feito. Ela e meu pai estavam na cozinha, conversando e rindo da minha cara, com o meu cabelo todo bagunçado.

     — Você estava dormindo ou foi atropelado por um trem? — perguntou minha mãe, a mulher bem-humorada, de olhos brilhantes e sorriso largo.

     — Hã... — respondi. Eu poderia dizer tantas coisas, mas aquele simples e monossilábico "hã" já dizia muito; dizia o quão cansado eu estava por ter passado a noite toda estudando e também dizia o quão morrendo de fome eu estava.

     Olhei o relógio e me dei conta de que eu iria chegar atrasado. Seis e trinta e cinco. Eu precisava chegar na faculdade às sete, o que parecia impossível. Eu usava um carro velho que o meu pai havia me dado de presente de aniversário quando fiz vinte e três, e levava quarenta minutos até chegar no campus. O carro não era mesmo grande coisa, e eu o odiava. Vivia dando problemas. E naquela manhã, depois de sair correndo e não comer nenhum dos bolinhos de chocolate, não foi diferente. Ele deu problema! O cabeçote superaqueceu quando eu estava na metade do caminho.

     — Droga! — gritei e dei um chute na lateral da lata velha.

Peguei meu celular para chamar um guincho e descobri que ele estava sem bateria. Minha raiva transformou aquele celular em centenas de pedacinhos.

     O dia não estava nada bom.

     Mas começou a melhorar assim que um carro parou alguns metros à frente.

     — Está precisando de ajuda? — perguntou um rapaz. Cabelos longos, barba mal feita e de roupas escuras e rasgadas. À primeira vista, um verdadeiro punk. Logo descobri que seu nome era Victor. E depois descobri que Victor não conhecia metade das bandas de punk rock que eu conhecia. Ele era apenas um mecânico de cabelo bagunçado que trabalhava na oficina de um posto de combustível.

     Fiquei sem meu carro naquele dia, porque o Victor disse que seria melhor levá-lo para a oficina. Prometeu que estaria pronto no dia seguinte.

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