CINCO

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Beber é ótimo, mas a ressaca do dia seguinte é torturante.

Meu copo já estava de pé, embaixo da água gelada do chuveiro a mais de vinte minutos, mas só o corpo mesmo, pois minha alma eu suspeito ter engolido junto com a última dose de álcool que havia ingerido na noite anterior.

Desliguei a água e caminhei para fora do box, me enrolando num roupão branco. Repeti diversas vezes na minha cabeça que iria parar de beber, mas sabemos que isso só dura até a ressaca passar.

Meu estômago queimava de azia e minha cabeça latejava de dor e se tornou agonizante quando a dor sincronizou com o barulho de socos na porta. A pessoa estava esmurrando a porta como se fosse um saco de pancadas.

Tentei gritar para que Kimberly atende-se, mas só de pensar em forçar... a dor aumentou.

Sai do quarto recitando uma sequencia de palavrões e desembaraçando os cabelos com os dedos.

Tinha um corpo jogado no sofá com uma cabeleira castanha emaranhada pelo rosto feito um ninho de passarinho. E se não fosse o vestido levantado por causa do mal jeito que a pessoa estava deitada, eu suspeitaria que fosse um homem pelo ronco de motor que ecoava pelo apartamento.

Fiz uma careta ao ouvir novamente os socos na porta e fui em direção a mesma.

-Já vai, merda! - consegui gritar antes de abrir a porta.

Não sei se era o efeito do álcool ainda, mas me deu vontade de rir ao ver a cara de espanto de Oliver Thunder me olhando como se eu fosse um espectro. Até que me caiu a ficha: o que ele estava fazendo esmurrando minha porta às... - olhei para o relógio na parede - Porra! Às seis da manhã?

Arqueei as sobrancelhas e cruzei os braços na frente do corpo. Ele estava de calça preta, blusa social branca e um sinto grande que prendeu minha atenção num local que não deveria.

Levantei a cabeça sentindo meu rosto corar e observei suas veias levemente tensionadas. Não precisei olhar novamente para o sofá para saber quem era a menina que dormia lá.

- O que faz aqui? - ele perguntou com a voz grave.

- Oras, eu quem deveria fazer essa pergunta, não acha?

Ao invés dele me responder, olhou por cima dos meus ombros e entrou no apartamento, sem pedir licença.

- O gps da Cheryl localizou aqui... O que ela está fazendo aqui? - caminhou até próximo ao sofá e colocou as mãos na cintura, totalmente sério.

- Ah, claro que você pode entrar - bati a porta e me virei para ele - bom dia para você também!

Oliver não me respondeu, num mau humor palpável e arqueou as sobrancelhas em contestação.

Cruzei os braços e olhei para irmã dele, deitada no sofá.

- Não faço ideia.

- Como assim? Você não mora aqui? - ele abaixou-se e balançou levemente o braço dela.

Não respondi à pergunta dele, pois fui interrompida bem antes.

- Por que estão falando tão alto a essa hora da madrugada? Perguntou Kimberly, saindo do quarto com a cara amassada e bocejando, dramaticamente.

Olhei para ela em sinal de interrogação.

- O que a Cheryl está fazendo aqui, Kim?

- Se ela não estivesse aqui, provavelmente estaria inconsciente na cama de alguém - ela caminhou até a bancada da cozinha e sentou, abrindo o pote de biscoitos e comendo - Sério, essa menina perde a linha quando bebe.

Oliver conseguiu acordar a irmã dele, que mal abriu os olhos e vomitou no meu lindo tapete lilás.

- Você deveria cuidar melhor da sua irmã, Oliver - falei sentindo meu estômago revirar.

Ele estava segurando o cabelo dela para que não sujasse de vômito e então olhou pra mim, com aparência de cansado.

- Eu só consegui trazê-la porque ela desmaiou na minha frente quando fui chama pela milésima vez - ela explicava de boca cheia. Colocou a mão na boca e engoliu o biscoito e apontou para mim - eu nem entendi o porquê de me pedir para vigia-la, mas agora está explicado - ela olhou Oliver de cima a baixo e piscou para mim, sorrindo. Revirei os olhos.

Quando não tinha mais nada para vomitar, olhou para o irmão com pesar e ele balançou a cabeça em negativo.

- Você me prometeu que se eu a trouxesse iria se comportar, Cher.

Ele deveria estar bravo, mas manteve a calma enquanto falava com ela e parecia sentir pena da menina. Àquilo não era apenas uma adolescente que passou dos limites, deu para perceber que tinha um motivo e o olhar que ela lançou para o irmão era como um pedido de socorro.

- Desculpa... - ela sussurrou com os olhos marejados de lágrimas.

- Ou, ou, ou... lágrimas com vômito pela manhã não é o melhor cardápio - disse Kimberly levantando-se

Oliver enrolou o cabelo da irmã para trás e ajeitou o vestido dela.

- Vem, vamos no banheiro e deixa que a Evie e seu irmão limpem isso aí.

Elas saíram da sala e ele caminhou até a janela, coçando a cabeça.

Prendi meu cabelo e fiz careta ao enrolar o tapete. Quando eu ia pega-lo para levar até a lavanderia, ele mesmo pegou e o mostrei onde era.

- Obrigado - falou quando retornou à sala.

- Não fui eu que a trouxe - andei até a geladeira e servi dois copos de suco de laranja, colocando-os sobre a bancada. Sentei e apontei o banco vazio, mas ele não sentou.

- Sua amiga disse que você pediu que ela vigiasse a Cher... sou grato por isso.

Dei de ombros e arrastei o copo em sua direção.

- Não tem veneno - eu disse.

Aparentemente ele ainda estava abalado pela irmã e passava a mão na cabeça a cada segundo, soltando bufadas de ar.

Oliver pegou o copo e deu um gole.

- Não vai me dizer nada? - ele perguntou arqueando as sobrancelhas - não vai dizer o quanto sou irresponsável e depois perguntar como eu a deixo ficar nesse estado.

Terminei de esvaziar meu copo num longo gole e crispei os lábios, dando de ombros.

- Não cabe a mim o que se passa na vida de vocês dois.

Ele pareceu surpreso com minha resposta, mas concordou com um aceno de cabeça e relaxou. Observou o apartamento e ambos permanecemos em silêncio.

Levantei-me e lavei o pouco de louça que estava na pia e quando me virei, Oliver estava me olhando de uma maneira profunda, como se tentasse entender alguma coisa que só se passava em sua cabeça.

Fiquei de costas para a pia e cruzei os braços na frente do corpo, o encarando.

Sua beleza era indescritível, sua pose de sério não era o suficiente para disfarçar seu olhar terno. O cabelo preso em coque o deixava extremamente sexy e bonito e... Fechei os olhos e respirei fundo. Ele não poderia mais ter o mesmo efeito que tinha antes sobre mim, não éramos mais nada. Nós tornamos completos desconhecidos.

- Thompson me disse que você pediu demissão.

- Sim.

Cheryl e Kimberly apareceram na sala. Cheryl já estava bem e com roupas da minha amiga no corpo. Peguei uma aspirina que era ótima para ressaca e dei para ela tomar com um copo de água. Ela se recusou a comer alguma coisa e em seguida agradeceu a mim e a Kimberly e se desculpou pelo tapete.

- Por que pediu demissão? - Oliver perguntou quando estava caminhando para fora do apartamento e as meninas me olharam, todos me esperando falar.

Olhei no fundo dos olhos dele antes de responder:

- Essa é uma pergunta que você já tem a resposta.

Aos CacosOnde histórias criam vida. Descubra agora