Valentina encarou aquela casa enorme de madeira ao lado do lago. Visual lindo! Mas não lindo o suficiente para apagar a aflição que sentia. Olhando ao redor pôde ver ao longe um rapaz remando um caiaque, com tanta leveza e simplicidade, aproveitando uma beleza que aquela menina se sentia incapaz de sequer apreciar.
"Que sorte a dele, poder se divertir sem ter com o que se preocupar."
Começar de novo.
Como levar essa novidade como algo simples, algo normal? Depois da separação dos pais de Valentina, tudo com certeza iria mudar. A questão não é se mudaria para melhor ou pior, não é isso! A questão é que era um recomeço, tudo novo... Tudo de novo.
Aquela casa que fitava não era a dela, aquele lago não era dela, mas aquele pai que vinha ao seu encontro de braços abertos, esse sim era o pai dela.
"Como ele pode simplesmente abrir os braços e sorrir, como se não estivesse estragado tudo?". Valentina só pensava, não tinha coragem de dizer a ele a dor que sentia, nem que ele era causa de tal dor. Mas ao mesmo tempo, seu corpo, seu sorriso forçado e seu meio abraço diziam o que ela pensava.
João percebeu que a filha não respondia ao seu abraço com a mesma intensidade. Assim, meio sem jeito, sem saber como reagir, se afastou da filha que outrora fora sua melhor amiga, preferindo acreditar que o tempo iria quebrar o muro que agora os separava.
Valentina reparou nos cabelos grisalhos do pai balançando no vento, o pôr-do-sol o deixava ainda mais bonito e isso a fez franzir o nariz, imaginando que não demoraria muito até ter uma "nova mãe".
"Como ele pôde fazer isso conosco?"
A casa era ainda maior de perto, branca e com flores amarelas ao redor. O quarto de Valentina havia sido preparado especialmente para ela, a vista dava para o lago que não abrigava mais o remador. Pena, ter encontrado uma casa e quarto tão perfeitos no momento errado da sua vida. Pensava o quanto teria sido incrível viver aqui quando criança, longe do barulho da guitarra do vizinho que acreditava saber tocá-la.
- O jantar vai ser servido daqui a uma hora, filha. Você deveria tirar esse tempo para desfazer as malas e descansar. Amanhã... – João interrompeu a fala quando Valentina tirou da bolsa os fones de ouvido deixando claro que não iria conversar.
"Ela vai aceitar..." suspirou João.
"Eu não vou aceitar." Suspirou Valentina.
A noite passou rápido, o silêncio daquele lugar a abraçou de uma forma aconchegante e irritante, Valentina não queria gostar daquele lugar. Antes que o pai acordasse para o café da manhã de um sábado tranquilo e começasse a falar tudo o que não foi dito no jantar silencioso do dia anterior, a menina pulou da cama e decidiu se afastar.
A luz do amanhecer teimava em disfarçar o vento frio que gelava a ponta de seu nariz. Valentina se aproximou do lago ao ver que ali estava um pequeno barco de madeira.
"Por que não?"
Meio sem jeito, a garota foi até o pequeno deque, entrou no barco um tanto desordenada e o desamarrou com muita dificuldade. Parecia que alguém o amarrara com o objetivo de nunca mais tirá-lo dali e o remo que estava no deque parecia mais pesado do que deveria ser. Como aquele rapaz fez isso com tanta leveza? Valentina se esforçava para manter o barco equilibrado, mas isso também dependia do equilíbrio da menina, o que não era lá o seu forte. Valentina, no entanto, estava determinada a sair dali e passar um tempo sozinha, pensando no que estava vivendo e, de quebra, gerando um pouco de solidão no seu pai como forma de vingança.
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O BARCO QUE ME DEU VOCÊ
RomanceJá quero começar defendendo a Valentina! Quem nunca julgou alguém, QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA. Comece a leitura pensando em "Setembro Amarelo", uma campanha para prevenção ao suicídio onde aprendemos que nenhuma dor deve ser ignorada! Aproveite ess...