Esta carta é para ti que já não estas entre nós. Esta carta se tornará eterna porque são sentimentos e lamentações que serão enterradas em mim para o resto da vida.
Nunca gostei de despedidas e passei a odiar.
Tu sempre soubeste aqueles que me marcam de verdade eu nunca vou esquecer, mas porque é que a vida, a convivência com a outra pessoa normalmente é tão fútil, tão sem noção e sobretudo tão dolorosa se quando essa pessoa morre.Não sei se fazes ideia mas é tudo tão amargo, tudo sem cor...mas pensando bem tu sabes demasiado bem, já que perdeste pessoas e a mais dolorosa com certeza a morte do teu filho.
Ola Avô eu só queria dizer que nós fomos nos deitar com a esperança de que tudo pudesse correr bem. Pobres iludidos, o dia amanheceu e a bomba estourou.
É dia onze de dezembro de 2016 e recebemos a noticia que tu já não estas mais entre nós. Ainda não acredito que nunca vou poder mais ver-te, ouvir-te. Só queria entrar na casa de onde tenho tantas memórias, dirigir-me a sala e ver-te deitado no sofá ou ate mesmo passar na rua e ver-te no jardim. Coisas tão quotidianas mas que nos farão tanta falta. Porque não importa as voltas que o mundo dê a tua casa será sempre a minha segunda casa.
Já fazes tanta falta, como se parte de mim fosse arrancada. Acordar com agitação, que foi aquela manhã daquele dia, sempre estará marcado como algo horrivelmente doloroso. Por meio de meias frases que não era completadas pela garganta que fechava nós entendíamos o que se passava.
A avó estava em prantos, a mãe e a madrinha estavam igualmente. E uma das imagens que nunca vai sair de mim, é elas as três abraçadas chorando. Mas ninguém pode critica-las.
A avó perdeu um companheiro de "estrada". Já que um casamento é uma avenida dupla que ambos tem que percorrer de mãos dadas.
A mãe e a madrinha tinham perdido um pai. Que era muito mais que um simples pai. Era um amigo, conselheiro, confidente...Ele era quem cuidava dos filhos de ambas quando mais ninguém podia, mesmo havendo problemas ele estaria la.Sabes quando enfiam uma estaca no peito, deve ser a dor parecida. Quando eu disse ao primo foi quando eu percebi a dor da notícia, porque quando a recebi fiquei atordoada e sem grande reação. Ele abraçou-me e disse "Calma, tudo vai ficar bem..." mas eu tenho uma pequena duvida de para quem era aquela frase. Talvez fosse para nós dois, muito provavelmente.
Eu só queria poder perguntar mas que mais pode acontecer neste ano? Estamos a onze de dezembro o que mais vai surgir das cinzas ate ao final do ano?
Ainda não passaram 24 horas eu estou farta da frase " eu sinto muito" ou a pior " eu sei como te deves estará sentir" ninguém de fora consegue saber o que o outro está a sentir. Porque mesmo que já tenhas perdido alguém do mesmo parentesco nunca será a mesma coisa. As pessoas são diferentes e consequentemente o sentimento de perda é diferente, nem que seja ligeiramente.
Os teus pedidos foram atendidos desde a roupa a estar na tua casa e antes de seres enterrado ireis para a igreja São Tomé.
O que nos dá um pouco de "felicidade" é que tu não sofres-te fisicamente e isso nos trás algum conforto, mas psicologicamente há uma grande hipótese que isso tenha acontecido.
Mas porque logo agora? Porque é que tinhas que partir tão cedo? Quando estávamos todos bem?
Tu eras o nosso rezinga, resmungão, chato, mal disposto, brincalhão, sorridente, tanta coisa que parecias o próprio tempo. Mas do nada podias ter uma força esmagadora, como uma calma única. Mas toda a confusão é aquilo que agora faz falta. Eras o barulho no meio de silêncio. E nos estamos habituados ao barulho dói agora o silêncio que se instalou.O destino nos deu a hipótese de pertencer todos a mesma família. Como deu a oportunidade de tu conheceres os teus netos.
Tu no passado cometeste inúmeros erros e isso é normal todos erramos. Só nós resta aprender com os erros e reparar o que poderemos. Mas agora tu merecidas viver e ser feliz.
Passou-se uma semana, uma longa semana. Nunca na minha vida eu pensei que pudessem ser tão duros. Durante este tempo nada mudou desde aquele maldito minuto.
Chernobyl ainda não se recuperou totalmente da catástrofe e já se 30 anos... e a ligação é igual aquela bomba que arrebentou a 26 de abril, mas desta vez foi a 11 de dezembro de 2016.
"A vida segue em frente" era o que dizias, mas eu deite a resposta quando o caixão baixou... a vida pode seguir em frente mas nunca voltara ao normal.
Também foi nesse momento que tive a certeza que era real, não havia fachada, piada ou brincadeira.
Passou-se um mês e nos começamos a viver aos poucos sendo que a dor me consome, nos consome. Ate que nos sufoca e nos transbordamos.
Passou-se três meses e bem as pessoas pensam que nos seguimos em frente, tudo é meio estranho, incomum.
Todos ficamos abalados uns de uma forma outros de outra, ficamos perdidos em pensamentos e lembranças ou do nada ficamos rabugento.
Já la vão quatro meses... descobrimos que alguns de nós estamos doentes...
Se queres saber eu...eu estou estilhaçada, totalmente quebrada. Como um copo de vidro na mão de uma criança descuidada e que deixou cair. Mas eu só posso-me sentir assim, mas depois de deixar a cama onde chorei a noite toda chorando, porque quando eu saio do quarto eu tenho que ser a mesma pessoa que era no dia 10 de dezembro de 2016.
Passou meio ano e bem devo dizer que a angústia, a dor e o choque ainda não passou.
Passou praticamente dois anos... afinal de contas estamos a 23 de setembro. E tu ainda te fazes presente mas nós vivemos conseguimos nos reerguer e viver com a falta de uma pessoa que para mim não era só um avô, ele era um segundo pai.
Esta carta é dedicada a ti a pessoa que nos ajudou e sustentou...
Quem sabe daqui a uns anos eu não vá te visitar por isso não esqueças de deixar o meu quarto arrumado.
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Desabafo de uma Sobrevivente
SpiritualitéEsta sou eu, bem poderia dizer sem maquilhagem e acessorios, mas isso aqui não importa muito. Então esta sou eu sem figuras de estilo para mostrar ser aquilo que não sou, mas sim mostrando o que sou e o que vivo. Aqui vai ser diferente! Vou ser eu d...