Nove

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Enfrentei o frio severo de uma segunda feira mal humorada. Me aventurei no ônibus e senti ter fugido de um ladrão; não fiquei para saber. Esse era o dia a dia em São Paulo, a cidade que nunca para. Eu vivia isso diariamente. Estágio, faculdade, até mesmo em um momento de passeio. Nunca soube dizer ao certo se sentia falta dessa correria. Talvez, lá no fundo, sim. Quando você se acostuma com essa vida, é difícil conseguir ficar parado. Eu queria estar pronta para retomar minha vida.

     Alguns minutos depois eu estava no consultório. E havia acontecido um milagre: eu queria muito falar com Márcia. Sobre tudo. Parecia que ela tinha passado um mês fora, mas eu havia tido uma consulta com ela na sexta. Meu coração estava acelerado. Se eu não usasse esse raro momento de coragem, a próxima hora seria mais uma daquelas em que ela pergunta e eu apenas respondo.

     Me apressei em entrar na sala assim que sua secretária permitiu. Tirei o casaco e antes mesmo de me sentar, já estava falando.

     — Acho que a reunião me ajudou bastante. Sério, obrigada. Mas a realidade é que eu tenho medo. De ser apenas minha cabeça pregando truques de que já estou boa. Tipo quando Pedro havia morrido e depois de ficar muito mal, eu achei que tinha passado. Mas não tinha. E aí eu fiquei pior, mas fiz outra vez. Tá acontecendo de novo e eu estou com muito, muito medo.

     Ela ficou ficou me encarando por um tempo, a feição dura. Depois, abriu um pequeno sorriso e se aproximou de mim.

     — Isso é normal, Helena, está tudo bem. Das outras duas vezes era muito recente. Agora já está quase fazendo um ano e você está realmente tentando.

     Aquela era uma pausa para eu pensar. De fato, nas outras vezes, eu não estava bem e nem queria melhorar. Só queria ele de volta, do meu lado, como sempre fora. Meu primeiro e único namorado, agora morto. E eu nunca havia tentado me reerguer.

     — Helena? — Márcia me encarou. Já estava sentada em sua poltrona, um pequeno bloco de notas e uma caneta em mãos. — Eu acho que você deve continuar indo. Tentando. Todos estão para te amparar. Sua tia, primas, os novos amigos da reunião. E você também pode contar comigo duas vezes por semana, não é mesmo? Vai dar tudo certo. O importante é tentar. O que me diz?


Voltei para casa uma hora depois. A consulta acabou sendo um divisor de águas para uma Helena sem esperança e uma nova versão de mim mesma, preparada para tentar, mas certamente admitindo estar morrendo de medo.

     Em casa, Julia estava no quarto, a musica alta tremendo as paredes. Bati, mas ela não atendeu. Procurei por Alice nos outros cômodos, porém ela não estava. Decidi então marcar um encontro com Sara, para o desafio da semana. Entrar de cabeça no meu desafio pessoal era importante, e esse passo de tomar uma iniciativa para sair de casa já era uma grande vitória.

     Depois de um rápido banho, peguei um táxi até o shopping. Não sabia como seria a conversa com Sara, mas ela parecia legal, então eu estava mais aliviada. Parecia não ser difícil o que tínhamos que fazer. Talvez eu tivesse dificuldade em falar sobre mim, claro, mas era diferente. Ela também havia perdido alguém importante.

     Esperei alguns minutos até que ela chegasse. Não demorou muito. Mas alguém a acompanhava. Eu jurava já ter visto o rapaz, mas não sabia de onde. Ele era alto, tinha o cabelo baixo, em estilo militar. Os braços pareciam fortes e a pele era bronzeada. Talvez mais um cara comum de vinte e poucos anos.

     — Helena, oi! — Sara falou um pouco alto demais e me puxou para um abraço. — Como você está?

     — Bem, e você?

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⏰ Última atualização: Sep 30, 2018 ⏰

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