A melhor razão para um suicídio

Última madrugada

  Poucas coisas até hoje me deixariam tão entusiasmado para sair de casa às 22:30 de um sábado quanto um "encontro" com a Jo, eu digo assim porque não sei se uma madrugada com vídeo games é de fato um encontro, mas era isso que todos os nossos amigos diziam, e confesso que eles não estavam tão equivocados, enquanto subia na minha bicicleta comecei a lembrar da época em que eu realmente sentia algo profundo por ela, nossos avôs sempre foram amigos, se não me engano do exército, e adoravam se encontrar na praça da cidade para jogarem quase dez partidas de xadrez, e eles faziam questão de nos levar, brincávamos de praticamente tudo, era muito divertido, e quando meu avô morreu, eu sinto que ficamos mais próximos ainda, acho que foi nessa época que eu criei sentimentos fortes pela Jo, mas um tempo depois o avô dela também se foi, e foi dando apoio a ela nesse momento tão melancólico e frágil na vida dela que me caíu a ficha, nós podíamos ser ótimos amigos, mas dificilmente um casal. Esse assunto tomou conta minha cabeça enquanto pedalava até a casa da minha amiga, lembrando de outras situações que mexeram muito com a Jo, e poderia descrever com exatidão como ela lidava com tudo isso, pois eu sempre estava com ela, porém eu acho mais curioso que mesmo com tantos traumas desde pequena, ela não se tornou fria, depressiva, antissocial e esse tipo de coisa, ela continuou sendo, meiga, excêntrica, criativa, extrovertida e companheira, e acho que é por isso que eu gostava tanto dela, essa personalidade cativante e esse jeito tão único dela praticamente exalavam energia positiva, como se deixasse minha alma mais pura quando me aproximava dela. Esses pensamentos me afastaram tanto da realidade que quando senti a notificação do celular cambaleei tanto que quase caí com a bicicleta, quando me estabilizei peguei meu celular e vi que se tratava de uma mensagem do Dick, um dos nossos amigos que inclusive me foi apresentado pela Jo, a mensagem dizia:

"Parceiro vc não tem noção eu vi na previsão do tempo que vai cair tanta neve amanhã que as aulas i segunda vão ser canceladas! Muito foda né?"

  Depois de ler a mensagem comemorei com um grito de alegria que era quase igual ao do Tarzan, enquanto levantava o celular para o alto, depois disso acelerei a pedalada para chegar mais rápido a casa da Jo, fiquei animado em avisá-la pois sabia que ela odiava as aulas de segunda e o Dick não podia avisá-lá porque ela não tinha celular, então pedalei mais forte do que minhas pernas aguentavam. Consegui chegar ao meu destino antes que minhas pernas explodissem, e a primeira coisa que fiz ao sair da bicicleta foi massagiá-las, e mesmo fazendo isso andei com certa dificuldade de tão doloridas que estavam, cheguei a porta da casa e toquei a campainha, poucos segundos depois a anfitriã me recebeu com um forte abraço, que não só entrelaçou os braços no meu pescoço como também as pernas na minha cintura, o que não foi nada bom considerando o estado das minhas pernas que pareciam estar melhorando antes dela ter me atacado, quando ela se soltou eu cheguei a deixar escapar um gemido, então ela disse:

-- O que foi? Ficou com 89 anos do nada?

-- Quem dera, só pedalei mais forte do que aguentava para chegar aqui.

-- Sério? Tá bom...-Ela segurou riso por um segundo mas depois cedeu.
-É nisso que da tentar ser atleta sendo um sedentário.-Ela disse depois de rir.

-- Hilário, hahaha, agora posso entrar?

-- Sim, fique a vontade ciclista olímpico.

  A sala da Jo estava pronta para começarmos a madrugada, com várias latas de refrigerante, e diversos salgadinhos, fora as pizzas que ela disse estarem no micro-ondas, e é claro os consoles dela, ela era assumidamente nintendista, então a ela tinha praticamente todos os video games da Nintendo, fora um PlayStation2 e um PS4, mas o único ligado era o WiiU dela, então a garota foi ao quarto dela no andar de cima da casa, enquanto subia as escadas me disse:

-- Vou pegar os jogos, quer vir?

-- Bom...sim, parando para pensar agora, eu nunca fui ao seu quarto.