O Sol descia lentamente no horizonte, pronto para dar espaço ao brilho das estrelas na imensidão negra que se tornaria o céu. Gahard sentia a brisa suave arrepiar seus braços desnudos e negros. Era quase intrigante.
Sentado, dali observava os últimos filetes luminosos que encontravam seu caminho até o solo, fazendo brilhar a carnificina que se estendia pela planície, como se os deuses não quisessem que aqueles corpos desmembrados se perdessem para sempre no escuro da noite que chegava.
Mas não havia batalha, não. Ela acabara há muito tempo apesar de o Deus da Guerra ainda cravar os punhos no cabo de seu machado. O aço escuro e brilhante não passava de uma lembrança agora, como todo o resto que estava a sua frente e fora banhado impiedosamente pelo violento escarlate.
Não era o cheiro da morte que o incomodava, ou a visão de crianças no meio dos corpos amontoados. Era o silêncio.
Houve gritaria por tanto tempo. A Guerra é sempre vil, ensurdecedora. Gahard tinha certeza que todos os deuses podiam escutá-la quando entrava no campo de batalha. Mas agora, não restara mais nada. Nenhum um filete da voz desesperadas dos moribundos, até esses estavam mortos.
Era em momentos assim que a magnitude do poder que carrega em suas veias o rodeava, o tornava ciente demais de tudo aquilo que gostaria de ignorar. Gahard o encarava de volta, pois sabia que não havia maneira de fugir do peso descomunal que esse poder trazia. Ele estava sempre ali ao seu lado, contendo todas as vidas que tirara e todas as cidades que reduzira à cinzas.
Gahard o guardava no peito em um silêncio quase sacro, talvez essa sim fosse a quietude que mais o incomodava, a que afogava sua voz poderosa. Não havia mais nada a ser dito, nada a ser feito, ninguém para ouvir.
Não sobraram nada além de cadáveres e moscas, amontoados em pilhas dentro de um buraco qualquer, prontos para serem queimados antes que as criaturas carniceiras se aproximassem para alimentar-se, evitando que as feras causassem mal aos moradores das imediações.
Há muito achava ter se acostumado com a cena, mas quando ela se repetia - e ela sempre se repetia -, Gahard se perguntava se algum dia a carnificina se tornaria trivial ou hedionda perante aos seus olhos da cor de trovões.
Com os vestígios da força que restara após o combate, o Guerreiro finalmente largou o machado, contraindo seus músculos para cima. Impelindo a si mesmo a deixar os mortos. Não se esqueceria daquela batalha, sabia muito bem, como nunca esquecera de nenhuma outra. Todas enfileiradas cuidadosamente em sua mente, sem deixar qualquer detalhe.
O ruído metálico do aço pesado de encontro as rochas sob seus pés teria sido o suficiente para que pássaros abandonassem o conforto de seus galhos, lançando-se aos céus em nuvens negras de bicos e penas, mas eles também não estavam ali.
Agora a luz do luar fazia cintilar sua pele negra e manchada de vermelho ao dar as costas ao caos desassistido. O dia se fora, e com ele a luz e o calor. Ele esperava não ter que enfrentar um conflito como aquele tão cedo, pensava, dando passadas largas e fortes. Se afastando cada vez mais da cena horripilante. As botas afundando com ruídos aquosos do charco de lama e sangue que pareciam se juntar em uma pintura de fama que muitos nem entendiam.
Além disso, estava com fome.
***
Os raios de sol tomavam o lugar da lua pela manhã, singelos escapavam pelas nuvens brancas e naquele dia frio eram a única coisa que faziam Yala querer sair de casa. As montanhas longínquas eram vistas por cima do topo das árvores que volteavam Ostfur, estavam perto de serem escondidas pela serração do dia frio e nublado.
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Flamejnate
FantasyHaveria um dia em que, uma grande força desceria dos céus para a Terra e destruiria tudo que havia criado, seu mundo não havia sido perfeito. Com a força do ar, da chuva e da terra, seu machado era capaz de cortar tudo o que construíra, com apenas...