Como qualquer coração

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As coisas estavam boas demais, certas demais, calmas demais. Principalmente quando se tratava de mim. Então, quando o céu desabou em chuva, levando o sol embora, eu soube que estava tudo certo. Eu continuava a Lia azarada de sempre.

Me senti a pessoa mais horrível do mundo quando Scott e eu passamos correndo para o trailer, em meio a chuva forte, e eu abri o maior sorriso do mundo quando vi o castelinho do garoto- que jogou areia em mim - se desmanchando na areia da praia, com ele berrando do lado.

A primeira coisa que pensei foi " Bem feito". Em seguida, veio o remorso.
Só percebi que tinha parado para apreciar a cena quando Scott me puxou pelo braço.

- Vem logo! - Gritou,  encharcado em meio ao barulho das gotas de chuva, que caiam fortes no asfalto.

Corremos de mãos dadas o mais rápido que nossas pernas conseguiam, Scott praticamente me arrastando - ja que corria mais rápido que eu. Quando a porta do trailer se fechou atrás de nós, Scott começou a rir.

- Eu vi aquele sorriso, sua má. - Brincou, fingindo um olhar de reprovação -  Se sentindo feliz pela desgraça alheia, devia sentir vergonha.

- Ele mereceu! - Adverti, tentando me justificar, mesmo sabendo que não era certo- Eu to cheia de areia por culpa dele.

E sua, pensei.

Mas achei melhor deixar aquele comentário de lado.

Scott balançou a cabeça, daquele jeito que a mãe da gente faz quando nós fazemos algo de que ela não gosta. Seu peito subia e descia, ofegante. Imaginei que eu também devia estar assim. Meu cabelo estava encharcado e embaraçado, podendo ser confundido facilmente com um ninho de ratos. Olhei para os cabelos do garoto a minha frente, que revirava o armário atrás de alguma coisa pra comer. Ele comia o tempo todo .

- Ah, não! Isso é revoltante - tive que expressar minha revolta. Scott me encarou com a testa franzida, por cima da porta da geladeira, segurando uma lata de guaraná na mão.

- O que é revoltante?

Passei as mãos pelos seus cabelos úmidos, bagunçando. Ainda assim ficava bom. Desgraça.

- Esse seu maldito cabelo! - Encarei, abismada. Scott puxou o início de um sorriso no canto dos lábios. - Nós acabamos de passar pela maior ventania, pela chuva, pela água salgada do mar, por areia, e ele continua assim, intacto.

Scott riu, jogando um cabelo imaginário por cima dos ombros e levantando o peito. Ri pelo nariz.

- Eu sei que eu sou lindo, gata. Sai com essa inveja pra lá.

- Lindo e modesto - ironizei.

Ele estreitou os olhos em resposta e andou até o banco do motorista, se sentando. Tirou a chave do bolso e colocou na ignição.

- Pronta pra ir pra casa? - sorriu, girando a chave. O carro fez um barulho estranho. O sorriso de Scott murchou. Ele tentou de novo. O mesmo barulho, dessa vez mais alto.

Oooh....Não. Não. Por favor, não.

Eu não entendia muito de carros, mas com certeza não era pra aquilo acontecer. Scott tentou mais uma, mais duas, mais três, mais quatro vezes até que chegou uma hora em que eu perdi a conta.

- Droga! - Ele bateu no volante, a expressão seria que poucas vezes eu tinha visto. Me afundei no banco do carona, apertando meus cabelos.

- Essa não....- Resmunguei, recebendo uma trovoada como resposta.

- É isso aí, parece que estamos presos. - Se levantou, indo para o fundo do trailer - Vamos ter que esperar a chuva passar.

Comei a ir em direção a ele, que estava procurando algo no guarda roupa, na intenção de me sentar na cama.

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