Ela chorava. Estava trancada em seu banheiro lendo todas as mensagens que seus amigos a enviavam. Mensagens de apoio e carinho, todas dizendo a mesma coisa. Que suicídio não era solução para seus problemas. Que as coisas só piorariam. A faziam pensar em como os que guardariam suas lembranças se sentiriam ao não ter mais sua presença entre eles. Mas eles não ligavam pro que ELA sentiria.
Há tempos já havia se afastado de todos, andava sozinha, não falava muito com ninguém. E ninguém havia percebido. Era exatamente essa a questão. Ninguém percebia nenhum de seus gestos. Nenhuma de suas mudanças de humor e comportamento. Pra eles era apenas drama, ela queria chamar atenção. Mas ela sabia que não era isso. Ela não sabia o porque mas todos os seus amigos até então a deram as costas. Ela agora era apenas um encosto, um fardo a se carregar.
Sua família queria que ela fosse ao psicólogo. Pra que? Por quê ela deveria pagar alguém que nunca viu na vida para a ouvir reclamar sobre tudo e todos e no final, não a ajudar em nada? Ela não sorria mais. Seu sorriso era tão bonito, mas agora estava escondido. Sua luz era tão bela, mas agora estava apagada. E ela sabia disso, tentava mudar mas não conseguia.
Cada passo de que dava adiante a fazia retornar dois. Ela só queria poder sair com amigos reais que a entendessem e que a dessem a devida importância. Não era normal uma pessoa agir daquela forma. Nunca foi. Mas não, vamos todos dizer que é normal e isso é só uma mudança comum no comportamento de todo adolescente. Afinal de contas eles só pensam em três coisas: sexo, drogas e suicídio... Não é verdade? No fundo todos sabem que é. Se nunca pensaram nisso ainda chegaria o momento. Chegaria o momento em que o ambiente e as pessoas que vivem contigo ao invés de te salvarem se tornariam tóxicos. Tóxicos pra sua saúde mental.
Como seria feliz sem pessoas para viver os bons momentos consigo? E que bons momentos se nada bom acontecia em sua vida? Uma vida de mentiras e decepções ainda é uma vida? Ela estava realmente vivendo ou apenas sobrevivendo? E você o que está?
Os pais dela não sabiam o que ocorria do outro lado da porta. Do lado de fora eles riam e discutiam o que jantariam a noite.
Enquanto isso, do outro lado a garota nao mais chorava aos prantos como antes. Será que as lâminas resolveriam? Será que isso faria com que a dor se reduzisse? Qual era o sentido de viver se não sentia mais nada?
Não sentia pânico, medo ou um simples indício de arrependimento. Sua única dor era interna e não pelos cortes. A água do chuveiro escorria com tons de vermelho escuro. Era uma bela cor em sua opinião. Tomar todos os remédios que estavam a sua disposição e agora só lhe restava apreciar seu corpo aos poucos se empalidecer.
Será que alguém sentiria sua falta? Olhava para a tela do celular se encher de mensagens de seus amigos como "não fica assim" e "vai ficar tudo bem", mas nenhuma dizia "Estou indo para sua casa. Por favor, me espere até lá". Alguém realmente a amava?
Seu coração pulava algumas batidas com os soluços. Se não fossem pelos traumas com tantas amizades e objetivos nunca sucedidos talvez ela até cogitaria pensar que a culpa não era sua.
Por um momento se pôs no lugar daqueles que viveriam em seu lugar. Esperava que em alguma outra vida se encontrasse com um deles e talvez tudo fosse diferente. Ela não seria infeliz com sua vida. Alguém a amaria, inclusive ela mesma.
Sua visão começava a embassar. Piscava contínuas vezes para testar se ainda estava consciente.
Ela só queria poder pedir perdão para seus avós antes de tudo. Eles realmente a entendiam. Davam tudo de si para ver seu belo sorriso torto aparecer e seu olhar iluminar seus dias. Mas infelizmente eles já não estavam mais com ela. Eles foram aqueles que a deixaram sozinha nesse mundo onde só há maldade e ignorância. Sentia falta do cheiro de sua vó. Ela que gostava de fazer biscoito de polvilho para a neta toda vez que esta ía a sua casa.
Sentia falta de seu vô que a levava para andar em sua velha caminhonete pela roça e que no final do dia sempre paravam na sombra de um pé de manga e rezavam para pegar uma fruta que não estivesse verde e nem com bichos. Esses momentos a rendiam boas lembranças e a faziam acreditar que verdadeiramente não estava sozinha no mundo.
Por quê agora fazia tanto frio? É verão e ela sentia sua pele se arrepiar pelo vento gelado. Que vento? Ah, ela se lembrou. As diversas sensações a flor da pele surgiriam agora. Agora na reta final. Mordia tanto sua boca pelo nervosismo que podia sentir o gosto de seu próprio sangue se misturando a sua saliva. Não era de bom agrado ao paladar, mas a dava uma satisfação que ninguém entenderia. Seu celular já não apitava mais. "Será que já desistiram?" ela pensou. Finalmente teria a paz desejada, estava chegando ao seu alcance.
Se olhou no espelho, seu reflexo era similar ao de uma pessoa sem esperanças e que desistira da vida. Engraçado. Nunca vira antes um espelho que conseguisse refletir os sentimentos de alguém. Ao menos ele conseguia os ver. Sorriu singela com o que ainda encarava. Será que agora alguém a amaria? Isso assolava seus pensamentos a todo o momento. Era continuamente sua maior dúvida e o que a deixava sem sono algumas noites.
Enquanto viva ninguém a notava, ninguém a dava o amor e carinho que todo humano precisa. Será que ainda tinha um resquício de humanidade no coração das pessoas? Talvez. Mas isso ela descobriria enterrada debaixo da terra. Onde seria rodeada de pessoas que agora a amavam, pessoas que nunca nem sorriram pra si agora a levariam flores e esboçaríam uma falsa tristeza. Todos admirando sua bela lápide onde estaria escrito: "A garota que não tinha nome".
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An Angel Cried
Teen FictionVale a pena viver sem sentido? Isso é viver ou sobreviver? O que você pensa sobre isso?