Através da janela do meu quarto, eu olhava as pessoas caminhando lá embaixo. Estavam todas com seus guarda-chuvas entupindo as calçadas, e algumas eram molhadas pelos carros ocupados por motoristas mal-educados.
O dia estava péssimo. O temporal atrapalhava a vida de todos, causando alagamentos, trânsito e um enorme desânimo em mim. Voltei para a cama e puxei o cobertor sobre a cabeça. Não queria sair do quarto, e muito menos enfrentar a chuva e o trem lotado para chegar à faculdade.
Eu já estava atrasada mesmo. Talvez ainda tivesse algumas faltas pra gastar.
Fiz as contas mentalmente até concluir que faltar seria uma péssima ideia e, sem outra alternativa, deixei meu colchão mais uma vez. Estava decidindo entre tomar banho ou não enquanto pegava minha camiseta preferida, o casaco do curso e um jeans. Considerando que uma chuveirada diminuiria aquela moleza, acabei indo para o banheiro.
Meia hora depois, eu era uma entre as várias pessoas que antes observava pela janela. Ao menos meu guarda-chuva vermelho contrastava com o céu escuro.
O trem estava um caos. O ar condicionado não dava vazão para o número de pessoas espremidas no vagão, e uma mulher grávida foi socorrida depois de desmaiar na altura da Central. Quando cheguei à faculdade, meu mau humor estava no limite — e ver que só sobrou lugar na primeira fileira da sala não havia ajudado em nada.
O problema não era a fileira em si, mas o professor responsável por aquela aula. Ele cuspia horrores enquanto falava. Era a nossa terceira matéria com ele em seis períodos, então eu já sabia que precisaria lidar com um beijo indireto naquele dia.
Passei cinquenta minutos pensando em abrir o guarda-chuva, e os outros cinquenta em como eu queria minha cama. Enquanto anotava vagamente as coisas que o Professor Buarque dizia, notei Henrique me olhando a algumas cadeiras de distância e acabei dando um sorrisinho pra ele. O garoto piscou em resposta e, poucos segundos depois, recebi uma mensagem no WhatsApp:
"Topa passar lá em casa hoje? Posso fazer uma pipoca, e a gente podia ver um filminho na Netflix ;p".
Eu conhecia muito bem aquele "filminho".
"Hoje é quarta, Henrizinho. E ainda temos prova na segunda".
Ele escrevia numa velocidade absurda. Aquilo não adiantaria nossa conversa em nada, já que eu a deixei de lado por um tempo pra anotar tudo o que achei importante sobre a aula. Mas não demorei a ler sua mensagem:
"Qual é, Mel... Vc arrasa em teoria criminal. Não precisa começar a estudar hoje".
Revirei os olhos, mas acabei dando o braço a torcer:
"Tá bem, vc ganhou. Mas eu preciso ir embora às oito. Ou vc divide meu Uber na volta ou me dá uma carona pra casa".
"Eu te levo, claro. Sempre bom passar mais tempo com a minha princesa <3".
Estávamos naquela há cinco meses, e era impossível não perceber que ele tinha começado a se apegar. Precisávamos ter uma conversa, e dependendo do resultado eu seria obrigada a acabar com aquela história.
Uma pena. Henrique era um fofo e gente boa, além de termos uma química incrível. Mas eu não queria nada sério com ele.
O restante das aulas foi tranquilo. Almocei com as minhas amigas e ouvi Larissa dizer que, daquela vez, seu término seria de verdade — assim como falou dos sete "términos" nos últimos quatro meses.
Era exatamente por coisas daquele tipo que eu não queria namorar. Relacionamentos davam muito trabalho, e eu sabia bem daquilo.
Meu último namoro tinha acabado havia três anos. Ficamos juntos por dois anos, e foi maravilhoso até os seis meses finais. Acho que fiquei traumatizada.
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Não Me Dê Flores (Degustação)
RomanceMel é uma garota de vinte anos, carioca e estudante de direito. Ela curte cerveja, balada, chocolate e Netflix. Tem uma família que a ama e amigos que ela adora. A vida dela tem os perrengues normais de todo mundo, trem lotado, professor chato, prov...