O sol da tarde lançava raios fracos diretamente em seus olhos, seu corpo estava espalhado em montes de pedaços condensados de carne, ossos e sangue seco. Mas não importava. Ele já não sentia nada. Tudo ao seu redor parecia ligado por vibrações, e ele estava no meio. Mas não sentia. Depois de se levantar e olhar o estrago em que estava, percebeu que aquilo já não fazia parte dele. Estava em outro nível, outra dimensão, nem sabia como denominar.
Do lado de fora de seu corpo, ele se observava, tentando relembrar o que havia acontecido na noite anterior.
― Ele me matou... ― pensou ― ele nos matou! ― e agora que lembrava de todo o acontecido, ele sentia a raiva crescer pelo seu corpo ... bom, ele não tinha mais um corpo. ― o que aconteceu comigo? Eu não posso ser ― pausou o pensamento, atordoado com a idéia ― o que está acontecendo? EU NÃO SOU UM FANTASMA!
Em uma tentativa desastrosa ele tentou se olhar, se tocar, tocar nos pinheiros ao redor, em qualquer coisa, não importasse o que fosse. Desesperado sentindo o vento passar por dentro de si, ele percebeu que os raios de sol pareciam também o atravessar.
― Não pode ser verdade, um espírito não! Não pode, não pode... ― então ele se lembrou ― Oh não! Freddie!
Então seguindo por entre as árvores, ele procurou o caminho de volta a casa.
Quando avistou a construção de madeira, ele parou, com receio, e depois continuou se aproximando devagar. É lógico que não teria mais ninguém lá dentro.
― Ninguém vivo pelo menos ― engoliu em seco ao pensar nisso.
Quando se aproximou o suficiente, subiu os três degraus da varanda e passou pela porta de entrada que foi deixada aberta. Não viu o corpo. Não tinha mais nada ali além de sangue e moscas voando. Se tivesse olfato, o cheiro o incomodaria.
Então ele vasculhou pela casa, procurando por algo, não sabia o quê, apenas queria algo que lhe mostrasse que aquilo, aquela tragédia toda, se resolveria.
Saindo pelas portas do fundo da casa, ele deu uma última olhada para trás. Ninguém nunca saberia o que havia acontecido ali.
A casa ficava perto de uma plantação de pinheiros. Solitária, em um lugar onde o céu escurecia fácil, e permanecia a maior parte do tempo cinza e choroso. Ali perto também estava o monte, onde Freddie subia com Elvis para ver ao longe no horizonte, as luzes da cidade.
Freddie, ele não merecia o que tinha acontecido.
― Será que acordaria também? ― desejou. Mesmo que retornasse como um fantasma.
***
Freddie cuidava da plantação de pinheiros já havia um tempo. Ele divida a casa com seu amigo Elvis. Um belo gato cinza. Sozinhos, porém juntos, desde que seu pai estava doente e velho demais, e sua mãe, junto com o resto da família decidira se mudar para a cidade, onde ficariam mais próximos do hospital caso o pai tivesse novas crises. Freddie que idolatrava os pais, se ofereceu para cuidar da fazenda, já que a família não poderia perder a renda, e mesmo com contestações, ele seguiu para aquela casa, que um dia já foi cheia de vozes e barulho de crianças correndo.
Inicialmente só os pais de Freddie moravam lá, mas os outros filhos e seus netos, faziam visitas tão longas que pareciam realmente morar ali. Agora estava tudo esquecido. Ninguém ia mais lá. Todos estavam apreensivos na cidade.
E Freddie estava isolado com um gato para cuidar. E exatamente por estar em um lugar tão afastado, acabou se tornando uma vítima muito fácil para o assassino.
Agora, se lembrando dos momentos com o amigo, e do momento de sua morte e da de Freddie, Elvis seguia em frente, rumo a estrada. Ele não sabia para onde ir, mas sabia o que tinha que fazer.
― Alguém precisa saber ― determinou.
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Olhos de Gato
Mystery / ThrillerNo dia anterior ao Halloween, um fantasma incomum surge para contar a alguém a história de sua morte. Uma história curta criada para o concurso suspenselp. 🥈 2° lugar no concurso "Doces ou Travessuras?", por SuspenseLP.