A garota carregava um livro. Não um livro qualquer, mas sim um livro de contos com uma capa azul aveludada. Lilly Talbot parecia flutuar conforme caminhava, a barra do vestido cobrindo os tornozelos, arrastando-se pelo chão empoeirado da rua principal, o livro contra seus seios já tão grandiosamente apertados pelo corselete. Ela deteve-se por um instante, parando no momento em que uma carruagem passou em sua frente, os ventos abafados do horizonte sendo jogados contra seu rosto, lançando os cabelos tom-de-amêndoa fresca para trás, os cascalhos estalando conforme o pisotear dos cavalos arfantes de olhos penosos. O cocheiro chacoalhava as rédeas ao mesmo tempo em que tentava manter seu chapéu preso em sua cabeça. Ela certificou-se de que nada mais iria cruzar a rua e, assim, aproveitou para alcançar a calçada do outro lado, seguindo seu caminho, desviando das rachaduras.
Puxando a barra de seu vestido, Lilly passou por uma poça d'água que fora formada pela tempestade violenta da noite anterior, que para nada servira, a não ser para aumentar ainda mais o calor costaneiro. Algumas crianças corriam ao arredor, molhando-se na biqueira de uma casa elevada que estava sendo limpa por uma governanta de cabelos longos, jogando a água dos baldes contra o piso do segundo andar, vendo-a escorrer até o ralo, percorrer a calha e finalmente sair pela biqueira na direção das cabeças quentes e sorrisos sardentos das crianças; as mãos para cima, gritos estridentes e risadas travessas. Elas poderiam brincar nas próprias ondas do mar se os pais permitissem, mas o sal grudava na pele e a água estava quente, então, a biqueira no centro de Eastbourne lhes fora mais atraente. Ela passou um pouco mais distante delas, não sentindo os respingos caindo sobre a saia, preocupando-se mais em proteger seu livro.
Assim que conseguisse se sentar, iria começar a viajar pelas palavras minuciosamente escolhidas pelo autor. Talvez lesse o conto do Herói Perdido ou quem sabe... Um Canto de Outono? Eram tão belas as estrofes que lhe encantavam a alma e a faziam andar com mais vigor, ansiosa pela leitura. Lilly continuou seu caminho, o corpo decorado pelo tecido longo, drapeado e bege, que lhe cobria os pulsos. Ela queria poder agradecer pela chuva anterior, mas nem mesmo aquela tempestade conseguia abafar as ondas calorentas que subiam em espirais.
Lilly contornou à direita, cruzando a rua novamente com passos rápidos, evitando que um homem de aparência miserável batesse seu carrinho de madeira contra suas pernas. Andando por mais alguns instantes, ela alcançou a loja que tanto queria chegar. Ficava perto dos portos, onde o horizonte do mar se fazia enigmático, com o sol expondo-se logo acima e refletindo em suas camadas azuladas. Era uma espécie de boulangerie que a mãe tanto se orgulhava de falar. Usava o termo em francês todas as vezes, vangloriando-se de viagens que fizera pelo continente europeu antes da filha nascer. De alguma forma, Lilly sabia que ela não fazia por mal, mas não conseguia deixar de se sentir atingida por aqueles comentários e, embora fosse um prazer da mãe comentar sobre, a garota resguardava a si mesma um prazer próprio; ela se sentava ali, todas as manhãs, com um bom livro enquanto tomava alguns goles de chá com leite fresco.
Para a mãe, a boulangerie era um lugar incrível no imaginário. Para Lilly, era no presente.
A delicadeza da mão da garota tocou o vidro embaçado da porta da entrada e abriu passagem para o interior do local, um sino anunciando sua chegada. O estabelecimento em si não tinha nada de tão refinado ou inovador: apenas um balcão empoeirado, recheado de pães frescos e alguns doces, algumas mesas com toalhas de renda francesa e garrafas de bebidas sem os rótulos, próximos ao moedor de café e dos bules de chá sempre fervorosos e cheios de vapor. Lilly segurou a saia de seu vestido ao sentar-se, próxima a uma das janelas que lhe dava uma vista privilegiada do porto, o livro ainda firme em seu braço esquerdo enquanto um atendente lhe alcançava.
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Antes que a Maré Baixe (Degustação)
Historical Fiction"O amor tem suas escolhas, assim como o oceano tem suas ondas." Em 1715, Lilly Talbot sabe que o seu destino nunca esteve tão fora de suas mãos; condenada a seguir o modelo de sua sociedade e encontrar um marido, ela percebe que sua liberdade é res...