Faz duas horas que estou aqui deitada.
Estou no terceiro andar de um velho prédio em ruínas. Eu e meu amigo Josh, de quinze anos, posicionado no prédio da frente, fomos incumbidos de conferir a presença de um sinistro nessa área.
Sinistros é como chamamos os mais velhos. As ameaças.
Esse em particular é o mais assustador que já vi. Embora não seja possível nos aproximarmos, acredito que tenha mais de dois metros. Seu corpo é todo coberto de pelos negros e não há traços de roupas, o que nos indica ter três ou quatro anos. Quase o mesmo tempo que o terror começou.
Hoje é o sétimo dia de vigilância. E como nas outras vezes, durante a mesma hora do dia ele passa pela rua logo abaixo de nós. Isso é um problema e cabe a nós encontrar uma forma de resolver.
A verdade, nesse caso, é que os sinistros são muito territoriais. Quando um deles sente o cheiro de presas em algum lugar ele se fixa naquele perímetro e fica por ali até sentir que não há mais o que caçar ou até ser exterminado.
Essa segunda opção é mais complicada, vide o fato de que eles são fortes, alguns são bem ágeis, possuem dentes pontiagudos e garras afiadas.
Contudo, dessa vez não temos escolha senão o determos. Isso porque não muito longe de onde estamos, temos um acampamento com diversas crianças. Ainda que comecemos a treinar com cinco ou seis anos, ninguém nessa idade está apto a combater. Não um sinistro.
Tenho um plano, mas precisaremos de ajuda, pelo menos mais três. Com sorte, ninguém morrerá no processo.
***
Contive outra crise de choro.
Nunca fui o tipo de garota que fica chorando pelas coisas, mas é impossível me segurar diante dos fatos. Em breve terei que abandonar todos aqueles que aprendi a amar nos últimos anos. Vou me tornar a ameaça e posso até mesmo os matar se não fizer isso.
O Exílio.
Sabemos que não é o fim, o mais seguro para todos seria me jogar de um prédio bem alto, isso resolveria as coisas. Mas sou covarde demais para acabar com tudo assim. Além disso, há entre nós aqueles com a esperança de que nem todos nós somos iguais. Talvez eu tenha sorte...
Para quem estou mentindo?
Suspirei e enxuguei as lágrimas que escorriam pelas sardas em minha face. O sinistro já está longe na rua, quase dois quarteirões ao Norte. Estou deitada coberta por uma lona amarela. O silêncio é essencial para a vigilância. Sinistros tem audição e olfato apurados. Enxergam menos durante o dia, mas à noite são caçadores mortais. Felizmente estamos no meio da tarde.
Aproveitei para limpar o suor. Ficar deitada sob o sol escaldante é terrível. Josh e eu aguardamos até que o sinistro desaparece no fim da rua. Sinalizei para ele indicando que iria descer e nos veríamos no ponto de encontro.
Enrolei a lona e guardei dentro de um caixote em um canto. Uma coisa que aprendemos rápido foi a poupar, estocar e esconder recursos que poderíamos usar depois. Sempre que usávamos alguma coisa, depois a escondíamos da chuva ou do sol.
Também era preciso desbloquear o caminho por onde eu sairia. Como teria de ficar ali deitada por algumas horas, bloqueei todas as passagens até o ponto onde me encontrava com caixas e mobília velha. Isso impedia que outros sobreviventes ou sinistros chegassem até mim.
Falando em sobreviventes, encontramos sempre outros adolescentes. É raro encontrarmos um grupo que leve crianças com menos de dez anos junto com eles, é muito arriscado. A maioria ainda se ajuda, mas já fomos saqueados e até tivemos que encarar brigas sérias por alimentos e outras coisas.
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17 - O último ano de nossas vidas
Mystery / Thriller[ CONTO COMPLETO - BOA LEITURA ] O mundo mudou. Não foi uma mudança simples. Foi um apocalipse nunca imaginado. Não foi como em jogos de videogame ou séries de TV. Não se pareceu com Resident Evil, The Walking Dead ou outras coisas com zumbis e mons...