«¡2!» O garoto misterioso 🍎

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Acordo e escuto uma discussão. O homem está fervilhando. A mulher está explodindo.

Eles estão fora de meu campo de visão, atrás de uma cortina verde e feia.

Tento fazer o que sempre faço quando meus pais brigam, que é colocar os fones de ouvido e aumentar o volume para não ouvir nada, mas algo está errado.

Meu braço direito não está me obedecendo, e, quando toco minha orelha com a mão esquerda, descubro uma faixa de gaze grossa na cabeça.
Apareceram tubos compridos em meus braços e nariz.

-Ele é meu filho - o homem diz -, e, se estou dizendo que ele vai embora, é porque ele vai embora.

-Por favor, preste atenção. Ele será seu filho de uma perna só se o senhor tirá-lo daqui.

O velho está implorando e eu percebo que não é meu avô porque ele nunca implorava por nada - costumava fazer birra, na verdade; e também porque está morto.

- Tenho instalações superiores, os melhores funcionários da área médica. - O homem finaliza esse comentário suspirando alto. Esse suspiro é a marca registrada de meu pai.

- Ele está em estado grave na UTI depois de uma cirurgia de quatorze horas. Há uma grande chance de ele perder aquela perna, e o senhor quer tirá-lo daqui? Por quê, exatamente?

Eu me sinto bem, tranquilo e desconectado, mas esse homem, que concluo que deve ser um médico, parece bem assustado em relação a minha perna, que, por acaso, não está melhor do que meu braço.

Eu provavelmente devia acalmá-lo, tirar meu pai desse caso - quando ele está assim, a melhor coisa é se afastar e reestruturar-, mas o tubo que enfiaram na minha garganta me impossibilita.

- Não vou liberar esse paciente em nenhuma circunstância - o médico diz.

Silêncio. Meu pai é o rei das pausas dramáticas.

- Jovem, você sabe - ele pergunta, finalmente - qual é o nome da nova ala no hospital, doutor?

Mais silêncio. As contrações não param em meu corpo.

- Pavilhão da Neurogenética Jeon - o médico diz, por fim, e, de repente, parece derrotado, ou talvez esteja perdendo nos argumentos.

- Há uma ambulância do lado de fora - meu pai diz. Xeque-mate. - Acredito que você vá liberar a papelada.

- Se ele morrer, a responsabilidade é sua.

As palavras que ele diz devem me incomodar, porque as máquinas começaram a apitar como um alarme de carro.

- Jung Kook? - Meu pai corre para meu lado. Casaco Puma, Perfume Gucci, Capuz preto. Meu pai entende meu estilo.

- Filho, vai ficar tudo bem - ele diz -, tudo está sob controle.

Sua voz trêmula o trai. Meu pai não hesita. Tento mexer minha cabeça um milímetro e percebo que talvez não esteja me sentindo tão bem, afinal. Além disso, o alarme não para.

O médico está falando sobre minha perna, ou sobre o que restou dela, e meu pai está com a cabeça afundada em meu travesseiro, com as suas mãos afundadas em meu ombro. Pode estar chorando.

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