Medo

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Qual era o objetivo da prisão do seu pai? Josef não sabia. Apenas sabia que seu pai havia sido levado naquela noite de outono, 2 meses antes e não havia voltado. Agora seu irmão Klaus e ele estavam embarcando em um trem rumo a casa de parentes, e certamente não voltariam tão cedo.
Piscando e desenhando na embaçada janela do trem, Josef desenhava o incerto destino. Não sabia o motivo, mas imaginara uma pequena casa nos Alpes suíços, com uma charmosa chaminé, pinheiros cobertos de neve e um trenó de madeira, perfeito para ele e o irmão de 16 anos descerem os Alpes, gritando. 

- O que você está desenhando, Josef? - Perguntou Klaus, enquanto arrumava as malas no trem.
Josef apenas sorria, fitando de modo engraçado a sua mais nova obra de arte, ainda que temporária.
- Estou desenhando um chalé suíço, Klaus. Imagino que seja ali que nossos parentes morem, nessa fofa casinha nos Alpes. Gostou do meu desenho, Klaus?
O mais velho sorriu e se sentou ao lado do irmão de 6 anos. Depois disse, afagando os cabelos loiros e delicados do mais novo:

- Claro, Josef. Amei o seu desenho.

- E papai? Será que ele gostaria do meu desenho? 

Os olhos castanhos de Josef brilharam.  Será que algum dia veria seu papai de novo? 

Klaus suspirou e baixou os olhos. A prisão do pai ainda era muito recente, e ver o irmão mais novo perguntar sobre isso sem noção alguma sobre Hitler ou sobre os campos de extermínio lhe era doloroso e angustiante. Mas tinha de cumprir o que o pai sempre dizia:

" Klaus, proteja Josef de todas as formas possíveis! Não importa como, mas proteja o seu irmão."

Respirou fundo e abriu um sorriso forçado; precisava ser forte.

- Claro que ele gostaria, Josef!- Falou ele, encarando fixamente os traços infantis com os olhos verdes. - Ele amaria o seu desenho, Josef!

Ficaram calados por um tempo. Até que Josef indagou:

- Klaus...O papai vai voltar? Estou com medo, Klaus.

O que dizer? Que havia um homem louco que perseguia os diferentes, como negros, homossexuais, ciganos, judeus e... comunistas? Como falar, da forma mais branda possível, da guerra? Como falar dos campos de extermínio? Como, como, como responder ao menino sem ferir sua inocência? Klaus respirou fundo e engoliu em seco. Ele também estava com medo; talvez mais apavorado que Josef. Seus dedos alvos e de violinista tremeram e seguraram a mãozinha do irmão. Fechou os olhos.

- Klaus? Você está bem? 

O que dizer, o que dizer, o que dizer? 

- Klaus!- Josef quase gritou e agarrou a manga do terno bege do irmão.

Fale logo, fale logo! Seu irmão está esperando que você fale! É só uma pergunta!

Os olhos de Klaus se abriram. As pupilas estavam dilatadas, e seu coração batia descompassadamente. 

- Eu também estou com medo, Josef.- Sua voz era rouca e cansada, praticamente inaudível.

- O papai vai voltar, Klaus? - Josef indagou novamente. - Eu sinto falta dele, Klaus.

Klaus pôs o irmão no colo e o abraçou.

- Eu não sei se o papai vai voltar, meu pequeno! Espero que sim!- Falou Klaus, no ouvido de Josef. Ele estava trêmulo; durante todo o caminho, via soldados nazistas, e tinha medo que apontassem para ele e o irmão, gritando:

" Söhne des Kommunisten! Hör auf, du Würmer!"

No dia anterior, havia imaginado várias situações desse calibre, talvez até piores. Os loucos nazistas eram imprevisíveis.

- Klaus, me põe no meu lugar, por favor?

- Claro, meu pequeno!- Klaus sentou o irmão e suspirou, ficando quieto. O trem começou a andar.





1944- Uma marca que nunca será esquecidaOnde histórias criam vida. Descubra agora