capítulo único

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At seventeen, I started to starve myself
I thought that love was a kind of emptiness
And at least I understood then the hunger I felt
And I didn't have to call it loneliness

Não pela primeira vez o grito rouco ecoou pelo pequeno apartamento, alertando os ares ao redor como um alarme estrangulado. O corpo magro se lançou sentado por entre os lençóis úmidos, respirando com tanta urgência que beirava ao desespero. Correu os olhos ao redor, tentando visualizar o quarto através da penumbra provocada pela madrugada, obtendo pouco sucesso com sua pressa. As cortinas tinha sido fechadas mais cedo para que a luz da cidade não os incomodassem, bem como a eventual iluminação da aurora. Tateou a cama ainda com os pulmões queimando, cada vez mais tomado pelo desespero.

Não durou muito, e quase nunca durava. A dissipação da sua agonia tinha início quando o toque de outro abraço o alcançava.

Naquela noite não seria diferente.

Ash quase gemeu ao sentir Eiji o puxar de volta para cama. Sonolento, mas tomado pelo reflexo, o japonês o trouxe de volta para os travesseiros, envolvendo o corpo de Ash com o seu. Entrelaçando suas pernas entre as dele, Eiji se certificou de segurá-lo com firmeza ao passo que o rosto quente do loiro se escondia em seu peito.

– Estou aqui. Não vou a lugar nenhum – avisou o moreno num sussurro preguiçoso, ainda de olhos fechados. – Não sem você. Agora volte a dormir.

Era o que sempre dizia, noite após noite, e costumava funcionar para Ash.

Desde que desistiram de dormir em camas separadas, a consciência de ter a presença física de Eiji abraçada a si, ao longo da noite inteira, fluía de efeitos capazes de sedá-lo. Mas no momento em que, levados pelo sono, se separavam por entre os lençóis, Ash era cercado pela escuridão da própria mente, cravada lá sem permissão durante quase toda a vida.

We all have a hunger...

Naquela noite, ela tinha sido particularmente cruel. As imagens borradas de vermelho e dor vagavam pelos seus pensamentos, ainda o mantendo de olhos bem abertos contra o calor de Eiji. Voltar a dormir não parecia tão fácil assim.

Havia tanto sangue que quis vomitar, era muito mais do que estava acostumado, espalhando-se de forma pegajosa e podre. Achou que não fosse conseguir se mover, impregnado pela viscosidade rubra passou a se desesperar. Mas foi só no vazio aterrador dos olhos de Eiji que sua dor o tomou, quase o matando dentro do próprio inconsciente ao reconheceu o corpo frio e pálido como fonte de todo o caos.

Acordado, precisava se lembrar de que estavam seguros, de que todo aquele inferno tinha ficado no seu passado, destruído e esquecido no outro lado do oceano há mais de dois anos. Sabia que com os fragmentos que, infelizmente, restavam em sua mente era diferente, mas eles eram só isso, fragmentos não mais possíveis, irreais dentro da nova chance.

Precisava acreditar que nada no Japão nunca iria lhe fazer mal, era o seu recomeço, não era?

Tell me what you need, oh, you look so free
The way you use your body, baby, come on and work it for me
Don't let it get you down, you're the best thing I've seen
We never found the answer but we knew one thing

Ash sentiu lábios tocarem sua testa e só então percebeu que ainda tremia um pouco.

Para sobreviver, aprendera com maestria a se trancar dentro de si mesmo, mas descobrira que quando abraçado a Eiji daquela maneira, pouco importava. Bastava ser tocado por ele para entender que não precisava mais de velhos métodos ou que ele tão pouco se assustaria com o que Ash realmente era.

Hunger (BananaFish)Onde histórias criam vida. Descubra agora