Chuva de Lembranças

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Não consigo dormir.

Viro minha cabeça para o lado e vejo que ainda são quatro da manhã. Olho para o outro lado da cama de casal e a imagino ali, dormindo, do jeito que era antes. Ela era tão linda dormindo.

Levanto e vou para a janela. Ela amava mirar através da mesma, especialmente quando chovia, como aparentemente vai acontecer em breve. Eu chegava por trás e a abraçava de surpresa. Bom, talvez não fosse mais surpresa já que eu fazia isso toda vez que a via debruçada e pensativa, admirando a natureza de concreto que há aqui em frente.

“Como é possível essa rua não ter nem uma árvore?”, ela sempre me indagava. Era engraçado e triste ao mesmo tempo. Eu a abraçava ainda mais apertado e prometia que logo iríamos nos mudar para o interior ou que no mínimo faríamos uma plantação em nosso quintal. Não precisaríamos nem de jardineiro, ela faria todo o serviço com prazer. Mas apesar disso, nunca cumpri minha promessa.

Ela também amava caminhar na chuva. Era tão magnífico vê-la andando de braços abertos e rodopiando no meio da rua, sentindo cada gota gelada deslizar por seu corpo. Eu sempre odiei isso, mas para observá-la eu nem me incomodava tanto. Ela parecia a criança que nunca tivemos quando a chuva caía.

“Anda, libere sua criança interior! Deixa de ser chato!”, ela dizia para mim, sorrindo tão espontaneamente. Sempre era assim. E eu nunca brincava com ela. Talvez fosse questão de ter vergonha, não sei. Eu, um grande empresário, agindo com infantilidade perante tantas pessoas que poderiam estar a nos observar? Já bastava estar ali pegando chuva com ela.

Mas para ela nada importava. Talvez ela tenha se arrependido em algum momento de sua vida por se casar comigo, talvez ela ficasse mais feliz casada com algum camponês do vilarejo onde morava. Ela poderia ter sido mais feliz ao lado de qualquer pessoa que não fosse eu, ao lado de alguém que não tivesse uma reputação a zelar.

Agora aqui estou eu, caminhando na chuva, sentindo a forte luz amarelada do poste sobre mim, tentando agir do jeito que ela sempre quis que eu agisse. Sempre, antes que tivesse sido baleada enquanto se divertia fazendo sua coisa favorita que era ser ela mesma, ser livre.

Outro Título (Temporário)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora