Kyungsoo nunca viu ninguém

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As noites naquele lugar sempre foram longas e frias, como era esperado ser de um deserto. Nas janelas não passavam sombras, e nem Kyungsoo sentia necessidade de fechar as cortinas para não ver do outro lado uma alma penada. Nos vidros coloridos da porta não batiam luzes de faróis circulando pelas ruas. Não havia circulação nas ruas.

Circulava somente o ar e a brisa, assobiando, sem ter a quem embolar os cabelos.

Kyungsoo seguia sozinho até o mercado. Não havia carrinhos alheios batendo em suas canelas, nem estranhos para esticarem-se para pegar para sua baixeza o que estava no alto. Também não era necessário dar boa noite para quem lhe passava as compras.

Igualmente longas eram as tardes quentes, sem nunca ter ninguém para quem servir limonada e papear. Nunca batia um vizinho à porta questionando se fora ali parar suas entregas. Tampouco surgia na televisão algo que não os cenários vazios, passando e passando para contar uma história sem personagens.

Se Kyungsoo saía para encher o tanque do carro, ele ia e botava o dinheiro na máquina, olhava a estrada terrosa por baixo do boné baixo, bufava para o calor e ia embora. Sem bom dia, sem boa tarde, sem gorjeta.

E as manhãs? As manhãs não eram corridas. Kyungsoo saía cedo e, casa por casa, cortava a grama dos jardins. Nada de acenar para os bebês e para os cachorrinhos, e nunca foi possível pedir um copo de água gelada. Kyungsoo também nunca soube se era para ele entrar e se servir.

E a praia? Que serve a praia se não tem alguém com quem dividir a imensidão do mar?

Ele não sentiu falta de ninguém no mundo, porque nunca ninguém sentiu falta de algo que nunca esteve lá. Assim ocupava-se ele mesmo consigo mesmo numa dança estranha. Ele quem jogava a bola e ele quem ia pegar. Ele que dava um lance e ele mesmo comemorava o cheque-mate. Ele quem ligava o som e quem bailava e cantava a letra inventada, entre um fôlego e outro e sozinho numa casa de um só andar.

Não, não fez falta o contato humano. A humanidade havia morrido há algum tempo, talvez antes de Kyungsoo nascer. E sumiu todinha, sem deixar muito rastro. Kyungsoo só sabia que estava ali por saber.

Mas um dia alguém bateu à porta. Foi a primeira vez que aconteceu.

Do lado de fora, o mundo quieto, as ruas vazias, a brisa carregando os objetos vestigiais. E um homem parado na soleira, vestido em roupas leves, pedindo para entrar.

Kyungsoo ergueu-se na ponta dos pés para olhar pela primeira vez no olho mágico, e mágico ele era! Do outro lado, esse homem alto mexia nos cabelos que eram dessa outra cor: castanhos. Como o sofá e a cafeteira. Diferente dos de Kyungsoo, que eram negros como o céu à noite.

Ele o deixou entrar, estava encantado. Abriu a porta. O que se diz à alguém que bate? Resmungou, assentiu, apontou para dentro. Kyungsoo nunca soube o que era deixar alguém entrar.

"É aqui que você mora?" Que pergunta besta. Kyungsoo uniu as sobrancelhas e assentiu de novo.

"É sim." Ainda assim, respondeu. "Onde mais seria? Esse é o único lar."

"Mas você não pensou em visitar outros lugares?" O estranho questionou, depois de, tímido, adentrar a casa. Kyungsoo olhou para o que viveu e suspirou, estranhado. Ninguém nunca havia dito que podia entrar.

"Já fui nos jardins, mas nunca entrei." Ele comentou, com medo do silêncio se instalar. E o estranho, que nem havia se sentado, ficou ali no hall, olhando-o como se analisasse sua espécie. Era o primeiro que Kyungsoo via, mas ele não era o primeiro a quem o estranho havia visto.

O mundo é um lugar solitárioWhere stories live. Discover now