Capítulo 1

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Paris, França.
Janeiro de 1830.

"Nenhum vento
ajuda a quem não
sabe a que porto
deverá velejar." - Montaigne.

Você já teve a sensação de estar sempre em uma busca constante? Uma busca pela qual não sabe nem o que procura, mas mesmo assim, quer encontrar? Seja lá o que for. Eu sempre tive essa sensação. Como se a minha história estivesse incompleta, faltando uma parte. Nada nunca conseguiu me preencher. E para achar algo, você precisa saber ao menos o que procura.

Ao auge dos meus dezenove anos, passando da idade de me casar, eu me via perdida. Totalmente perdida. Em um extremo conjunto de monotonicidade. Como se a minha própria vida fosse um espetáculo e eu fosse uma das pessoas na plateia, admirando aquela enorme imensidão de nada. Vivendo um dia após o outro, sem grandes expectativas. A única coisa que me livrava daquele limbo, eram os estudos diários. Meu tio, sempre que podia me dava aulas, porém, quando ele tinha seus afazeres, eu precisava me contentar com as pinturas de telas, leitura de livros, costuras ou a prática de tocar no piano, buscando sempre novas melodias. Ontem mesmo, eu aprendi a tocar "Moonlight Sonata", de Beethoven. Não posso negar que foi um desafio e tanto. Ora, uma partitura tão longa quanto esta cheia de notas complexas, não é qualquer dama que consegue chegar a esse nível com tanta facilidade.

Ri fraco com meus pensamentos, tirando a atenção de minha tia, que bordava uma luva. Ela ignorou e seguiu bordando. Já estava acostumada com meus devaneios e as risadas que eu acabava soltando com eles.

Decerto que eu tinha uma vida muito confortável, portanto não possuía o direito de reclamar. Também não queria uma vida cheia de aventuras, romances, perigos ou essas coisas que todos os livros clichês têm para atrair a atenção do leitor. Eu apenas queria... Uma razão, um único motivo que me fizesse acordar pela manhã e perceber que eu tenho meu lugar no mundo. Seja no coração de alguém, seja em uma frase, um momento, um olhar, um sorriso, um abraço ou simplesmente em algumas frações de segundos. Eu precisava de uma causa para viver.

- Querida, já decidiu o que irá vestir no baile de despedida? - Minha tia não tirou o olhar do pano em suas mãos, mas como estávamos sozinhas na sala, ela certamente estava se dirigindo a mim. Olhei seu reflexo na janela e neguei com a cabeça.

- Hm, não... Ainda não. - Tirei a atenção do vidro, que escorria algumas gotas de água devido à garoa. O clima em Paris não é um dos mais agradáveis.

- Pois deveria. Como já sabe, deve estar sempre apresentável. Especialmente em seu último baile em Paris. - ela encostou as costas na poltrona, suspirando. Levou uma das mãos até seu cabelo castanho claro, com algumas mexas grisalhas, que entravam em harmonia com seu tom de pele claro.

- Estou ciente disso, minha tia. Não irei andar mal vestida. Eu só não tive tempo de pensar em meu vestido. Sou uma dama muito atarefada, como pode ver. - ironizei, rindo logo em seguida. Ela me olhou feio, com seus olhos escuros e entortou o nariz fino.

- Se estivesse ocupada com coisas importantes, talvez você até pudesse utilizar essa desculpa, mas como eu sei que não tem feito nada além de passar o dia inteiro rindo de seus próprios pensamentos, deveria começar a pensar no que irá vestir... - advertiu, continuando a bordar, em uma rapidez que eu nunca conseguiria alcançar. - Você poderia encomendar um novo vestido. Aliás, vários deles. Temo que no Brasil não exista tecidos tão bons quanto os daqui. - eu concordei com a cabeça, não a contrariando mais.

- Certo, verei isso amanhã após o desjejum. - disse por fim. Eu realmente não queria ter que ouvi-la falar sobre como eu precisava arrumar um marido e só conseguiria um se me vestisse adequadamente. Ela deu um leve sorriso, satisfeita. - Acho que já está um pouco tarde, irei me deitar. Se me der licença... - me levantei do sofá, fazendo uma leve mesura e me retirei da sala.

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