Incentro

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Autora: Renata Mordente Eda


Tema: Encontros e desencontros
Personagens: Uma mulher e dois homens
Local: Um aquário
Ambientação: Atual
Um homem X se passa por uma mulher na internet quando conversa com um homem Y e eles marcam um encontro. Contudo, aparece uma mulher Z no lugar do homem X.


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Como é sedutor o anonimato. Para um jovem que cresceu rodeado por masculinidade tóxica e sempre se sentiu alienado pelo que era forçado a ser e fazer para se encaixar, é tão fácil achar fotos na internet que melhor espelham quem ele tão íntima e secretamente queria que fosse. Cabelos da mesma cor, porém longos. Olhos da mesma cor, porém adornados de maquiagem. É tão fácil vestir-se no olho de sua mente da maneira que ele nunca se atreveria na vida real, escolher um nome que soa mais certo do que aquele em seus documentos, e fazer um perfil para a mulher que mal sobrevive trancada dentro de si.

É tão libertador - natural, até - poder se expressar da maneira como bem desejar, conhecer e fazer amigos como a pessoa que realmente é. Está aí também o perigo: viver como alguém que não existe fora de sua alma, se apaixonar por alguém que não sabe que a imagem virtual não reflete o corpo físico. A coragem e o medo de combinar um encontro no aquário que certamente mudará tudo.

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Como é confortante o anonimato. Para um jovem que cresceu rodeado por masculinidade tóxica e sempre se sentiu errado ao fazer parte dela, é um alívio poder parar de fingir, não ter que mentir sobre façanhas que mais trazem vergonha do que vitória mesmo quando inventadas. Por mais que conte histórias das mais mirabolantes para seus amigos, mal tem voz para se dirigir às moças. Ler e escrever palavras numa tela suplantam sua timidez e estranheza, deixando-o conectar com outras pessoas sem precisar agir como foi ensinado.

Uma moça em particular toma conta de seus pensamentos, esteja ele conectado ou não. Mesmo online, conversar nunca foi tão fácil. Horas e horas, dias e noites contando segredos que nunca foram entoados com sua voz, mas se libertam sem nenhum esforço através de seus dedos. A ansiedade e a excitação de combinar um encontro no aquário que certamente mudará tudo.

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Como é acolhedor o anonimato. Para uma jovem que cresceu rodeada por masculinidade tóxica e acreditou por longos anos que era seu dever obedecer, ser menor, mais quieta, menos importante, esconder-se na multidão é se sentir segura. Não usar maquiagem pode ser uma máscara tanto quanto olhos esfumados, delineador asa de anjo e batom vermelho. Um rosto limpo com todas as suas imperfeições à mostra é sua armadura. Quando as expectativas conflitantes que caem sobre seus ombros apenas por ser mulher se tornam pesadas demais, ela se coloca o mais longe do feminino possível e atravessa o mundo se sentindo agradecidamente invisível.

Seus esconderijos são lugares de silêncio e solidão, lotados de beleza e história a serem apreciadas em contemplação individual. Bibliotecas, museus, galerias. Mas o seu favorito é o aquário, cheio de vida e significado nos menores dos organismos. São essas as visitas que mais lhe dão força e ânimo para enfrentar o mundo.

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O enorme tanque redondo de águas-vivas é uma das atrações mais populares dos aquários. Visitantes se aglomeram para tirar selfies com as medusas ao fundo, filmá-las em seu gracioso flutuar, ou apenas apreciar a calma que assisti-las traz.

Três vidas se deparam ao redor do tanque. Três olhares que se cruzam através do vidro. Três efêmeras linhas de conexão que têm todo o potencial de se cruzar e se estabelecer, ou se divergir e nunca mais se encontrar.

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