Sabe aquele sentimento estranho em uma festa que você foi sabendo que tinha coisas muito mais importantes a fazer? Aquelas borboletas no estômago que você atribui a nervosismo? Sinto em lhe dizer, mas não podia estar mais errado chamar tal sentimento de nervosismo.
Eu tenho uma história, me julguem o quanto quiserem, tentem me enfiar nas regras de moralidade e definir se o que eu fiz foi certo. Meu trabalho não é comigo. Não podia me importar menos com o que acontece com meu ser agora, mesmo porque, para qualquer mudança que hei de sofrer, não há mais tempo.
Mas para muitos outros há.
Eu precisava ir a uma festa. Não ir significava suicídio social. Jolie estava saindo de casa e, já que passaria o resto da sua vida fora do país, aproveitaria seus últimos dias lá como se depois não tivessem outros. Todos, inclusive eu, amávamos ela, além disso Jolie era conhecida por dar as melhores festas, com direito a bebidas para que esquecêssemos do mundo de fora e música alta para que não ouvíssemos nossos próprios pensamentos. O sonho dos universitários, especialmente meu sonho, já que precisava de momentos além do meu sono rarefeito para esquecer que meu pai estava morrendo.
Não havia espaço para poeticidade quando pensava nisso, muito menos para filosofia, mesmo porque eu entendia que ele nunca sairia daquele hospital vivo. Minha mãe não pensava assim, ela não demonstrava, como eu, que não havia mais esperanças, ainda que tivesse certeza que não havia. Era importante para ela deixar meu pai feliz em seus últimos momentos, mas para mim, com todo o amor que sentia por ele, seria muito mais fácil aceitar e continuar com a própria vida. Ele já estava morto para mim, então tudo o que eu fizesse ou deixasse de fazer era irrelevante.
Por isso que eu escolhi a festa.
Nunca mais veria Jolie também, mas todos meus amigos iriam à essa festa. Além disso eu precisava me cuidar. Se não o fizesse acabaria internada que nem meu pai.
Saí da casa vazia com a melhor produção que podia me dar e dei partida no carro. Conectei meu celular aos autofalantes porque o silêncio me enchia de terror e dirigi até a boate. Os vizinhos que se ferrassem, eles não sabiam como era ser eu.
Já que a festa duraria até de madrugada levei uma cartela de pílulas de cafeína. Seria um vexame voltar para casa para dormir como no ensino médio.
Mostrei minha identidade para o porteiro e atravessei uma cortina invisível, a qual, agora que sei, nunca mais atravessaria como eu outra vez.
Quando cheguei a boate já estava cheia. Jolie, assim que me viu, correu para me dar um beijo e me guiou para o balcão do bar. Pediu uma bebida para mim, mesmo que não quisesse beber e começou a rir sobre alguma coisa que me disse. A música estava tão alta que não conseguia ouvir o que falava, mas ri de volta, porque era isso o que devia fazer.
Bebi. Assim como todos os outros bebiam. Seria estranho se eu fosse a única na boate que não bebesse.
Beijei caras que não conhecia e que nunca chegaria a conhecer. Assim como todos os outros beijavam. Seria estranho se eu fosse a única na boate que não beijasse.
Podia ser dez da manhã ou dez da noite. Aquilo não me interessava. Mortalidade não me interessava. Eu era plena, certa, minha existência era para mim eterna.
Até que algo vibrou no meu bolso.
Mesmo agora sem sentido algum, ainda consigo sentir essa vibração...
Incessante e teimosa, queimando minhas coxas pelo seu número absurdo de repetições.
Não queria atender.
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Te vejo do outro lado?
Short StoryTalvez agora não me achem mais uma pessoa tão horrível, mas repito que isso não podia me interessar menos. A única coisa com a qual me importo agora é terminar essa tarefa, mas não posso fazê-la sozinha. Preciso de ajuda, de pessoas que alertem as o...