Alibi

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Há uns anos escrevi este one-shot para um concurso cujo mote era uma frase que sinceramente não me lembro (para variar). Mas tinha que dizer isto, porque havia um limite de páginas e eu não pude desenvolver muito. Por isso, sim, falta muita coisa mas não é uma história que eu queira mudar

Lembro-me que escolhi o título da música Alibi dos 30 Seconds to Mars, esses grandes queridos. Curiosamente a música acompanha a história, e o clímax dá-se ao mesmo tempo. Ou então eu é que leio extremamente rápido e funcionou perfeitinho. Espero que gostem. 

***

Hoje é o dia.

Há meses que não tenho noção do tempo. Talvez tenha enlouquecido ou talvez apenas tenha criado um muro de frieza indestrutível ao ver uns chegarem e outros partirem, enfrentando o desconhecido. Talvez. Contudo, sei que hoje é o dia.

Espero por ele há tanto tempo que cheguei a pensar que tudo isto é fruto do meu pensamento e não a realidade. Ninguém quer aceitar que isto é realidade.

 Luke, já estás pronto? – perguntou o homem, retirando as chaves do carro do bolso enquanto fazia equilibrismo com a mala infantil e o seu saco para o ginásio com o seu outro braço. O menino depressa respondeu, correndo para a janela da sala e gritando, sorridente:

– Falta só lavar os dentes! – Para comprovar o que dizia, o rapaz sorriu exageradamente para se certificar de que o pai entendia a mensagem. A sua expressão tornou-se deliciosa e Jack abanou a cabeça, divertido.

Ele saiu para guardar as malas no carro enquanto esperava por Luke. Lançou a pequena mala do filho para o banco de trás livre. Depois, destrancou a bagageira. Com uma espécie de assobio vindo dos lábios, abriu-a e preparou-se para guardar o seu saco desportivo. Não o chegou a fazer. O saco caiu no chão e a sua cabeça encheu-se de névoa.

 

9 minutos

 

Permaneço deitado, concentrado no candeeiro de teto desta minúscula sala. Até podia tentar fazer uma contagem mental de quem terá morrido nesta mesma cadeira, mas de nada me valerá. Então, com um sorriso, abano a cabeça diversas vezes relembrando os últimos minutos. Tudo isto é irónico. Chega a ser absurdo o facto de os verdadeiros assassinos desta realidade serem como um produto de Hollywood.

Uma jovem e amável enfermeira, de mãos delicadas, colocou-me o cateter no braço com um sorriso, não sem antes limpar a pele com álcool. Sem dúvida que o peso na consciência da rapariga se tornará menor se não me proporcionar uma morte por infecção. Depois, pediu-me para manter a calma como se fosse a coisa mais natural do mundo e saiu, sem desfazer o sorriso.

Eu também gostava de sorrir, mas não consigo. Também gostava de chorar mas retiraram-me essa capacidade há meses.

Luke! Tinha que levar Luke à escola, tinha que tomar conta dele, não podia perder a razão perante a visão desumana. Como podia ir-se abaixo com uma criança de pouco mais de sete anos a apenas alguns metros? Como podia ser forte e tomar conta dele ao descobrir o corpo mutilado da sua mãe no seu próprio carro? Ele não conseguiu formular nenhum pensamento com coerência, e levou as mãos trémulas à testa, puxando os cabelos loiros para trás com uma força que o faria brotar lágrimas se não tivesse tão apático e enraivecido. Se as lágrimas já não lhe ardessem nos olhos pela perda impossível de suportar.

– Papá, já está! Vamos?

A voz infantil fê-lo saltar de sobressalto. O coração batia desenfreadamente e, com uma força que não sabia ter, fechou a mala do carro e dirigiu-se a Luke.

Alibi { conto }Onde histórias criam vida. Descubra agora