Murilo conseguiu sair dali, com a benção dos orixás, sem nenhum ferimento grave. Mãe Marisa tinha alertado do perigo que era invadir o espaço onde os brancos se reúnem pra diversão e falar coisa de política, mas Murilo era o tipo cara valente. A briga com a cavalaria se deu inclusive por causa do irmão mais novo de Murilo, conhecido como Zé capoeira, que se negou arredar o pé dali da frente do teatro. Ele cuspiu na cara de um dos policiais brancos, fez escárnio das ameaças que este lhe direcionava, o que resultou na bagunça generalizada. Quando mãe marisa viu os dois filhos do coração chegarem abraçados - e apesar de maltrapilhos, ilesos - abriu um largo sorriso e tratou de agradecer à xangô pela proteção dos pretinhos.
- Eles dero foi sorte marisa, desses homi não ter pegado eles e ter posto no xilindró - foi dizendo pai Hélio - eles dero foi sorte.
- Eu confio no meu santo meu nego, foi ele quem levou e foi ele quem trouxe meus menino de volta - respondeu mãe marisa abrindo os braços para recebe-los.
Murilo estava muito emocionado e contente pela resistência de seu povo e por fazer parte de uma luta que não era só preto ou de só de branco, haja vista tudo aquilo foi feito em união pela igualdade de classes. Desde à época da escola, Murilo sonhava com um mundo em que as diferenças sociais não existissem e que a poesia atravessasse bem no meio das barreiras raciais e as dilacerasse. Finalmente seu sonho começara a se concretizar!
- Sua benção minha mãe - disse Murilo ao se ajoelhar, tomar a mão de marisa e beijá-la.
- Oxalá te abençoe meu filho - respondeu marisa, ao tomar a mão de Murilo, beijando as dele também e pondo-o de pé - como que foi lá no centro?
- Não fosse pelo zé ter arrumado encrenca com um dos caras fardados a gente tinha feito a festa! - respondeu Murilo fazenda graça com o episódio.
- Sua benção mãezinha - disse zé capoeira curvando-se a ela - mas onde já se viu mãe, o homi veio gritando de cima do cavalo pra eu ''dispersá'' ''dispersá'' eu fiz foi ri da cara dele.
- Que teu pai Ogum te dê juízo menino! - respondeu mãe marisa, como quem dá bronca amorosa no filho.
- Eu fiquei daqui rezando pra teu pai xangô Murilo, te protegê. Antes de ir embora não esquece de bate paó pra ele e agradecê por ele ter te trazido são e salvo - Disse pai Hélio em tom de seriedade.
- Dê aqui sua benção também meu pai - disse Murilo com olhos marejados - O senhor não se preocupe que eu irei bater até dois paó pra ele hoje.
- Ocês nem sabe da boa gente - começou zé capoeira - Mano Murilo é pessoa conhecida agora, até poesia ele falo pro povo lá, deu gosto de vê.
- Eu sempre soube que Murilo ia ser mais cedo ou mais tarde conhecido zé, esse menino nasceu com uma boniteza tão grande nas palavras que o mundo inteiro se ele quise ele vai ter - disse mãe marisa com os olhos marejados também, dando o abraço mais apertado que pôde no filho mais amado pelo seu coração.