(Nota da autora: coloquem a música pra tocar enquanto leem).
8 de novembro de 2015, domingo, Lagoa, balada Miroir, 02h51
A música estava alta. Era rotineiro Daniel escolher uma balada luxuosa pra passar o fim de semana com os amigos.
Miroir, famosa Miroir. De vez em quando aparecia um famoso aqui outro ali. De toda forma, parecia que nem toda diversão do mundo era suficiente pra Daniel e seus amigos se não tivesse ela.
A cocaína.
Gastavam uma quantidade enorme de dinheiro, pra uma quantidade enorme de droga.
Achavam que a balada ficava cada vez melhor ao longo do tempo, conforme os efeitos de (o que chamavam) sua amiga começavam a aparecer. A agitação, principalmente, que era o que mais queriam e gostavam. Ficavam 16 horas acordados, ligados, atentos. Gastando cada vez mais, enlouquecendo cada vez mais.
Ainda não era suficiente. Depois de todo o sábado e a madrugada de domingo nesse ambiente, queriam sempre mais.
- Vamos no complexo comprar mais - Rafael convidou Daniel quase gritando em seu ouvido, por conta da música alta do local que impedia uma conversa em tom normal. O jovem logo aceitou, que respondeu apenas com um grande sorriso no rosto.
8 de novembro de 2015, domingo, Lagoa, 04h48
Rafael dirigia a moto com Daniel na garupa. Adrenalina era o que movia aqueles dois. A moto estava em 110km/h. Àquela hora, a rua já estava vazia. 120km/h. Velocidade é bom, eles gostavam, chamavam desconhecidos pra um racha quando encontravam loucos como eles. Naquele momento não tinha ninguém na rua. Tudo bem aumentar um pouco mais. 135km/h. A essa hora os radares não funcionavam. 150km/h. Não era sempre que se sentiam livres pra correr tanto. 175km/h.
Não lembravam que em outra parte da Lagoa, poderia haver alguém tão louco quanto eles. Era madrugada. Não eram os únicos que saíram pra se divertir. O cruzamento de repente foi fechado por um carro em alta velocidade, assim como eles.
O coração de Daniel quase parou. Veio um clarão. Sentia dor. Haviam batido.
8 de novembro de 2015, domingo, Leblon, 08h36
Daniel acordou desnorteado. Não sabia onde estava. Mas sentia seus braços engessados e um acesso de injeção e soro em sua perna, o único lugar possível para uma veia naquele momento.
Estava no hospital.
Acabara de sofrer um grave acidente de moto enquanto voltava de uma de suas festas rotineiras regadas a bebidas alcoólicas, drogas, sexo e muita baderna.
- O que você aprontou dessa vez, filho? Você precisa parar de se arriscar. Precisa sossegar. Eu não durmo bem desde o que aconteceu em 2013, e agora isso. Como você vai ficar? Como eu vou ficar? Seu pai... Eu não preciso nem dizer né? - Sua mãe ao lado da cama lamentava pela fúria de seu marido, pai de Daniel. Nunca teve muita paciência para os problemas que o filho trazia. Preferia resolver na violência física.
- Não foi culpa nossa, mãe. O cara cortou a gente no farol. O Rafael perdeu o controle da moto.
- Acontece que o Rafael está bem. Você não. Quantas vezes eu vou precisar dizer que nenhuma dessas pessoas é realmente seu amigo?
A conversa virava uma discussão que foi logo interrompida pelo médico adentrando o quarto.
- Como se sente, Daniel?
- Preso. - respondeu de imediato. - Por que meus dois braços estão engessados? Foi tão grave assim?
O silêncio pairou a sala por um tempo enquanto o médico mexia em papéis, parecendo se preocupar com o modo de como daria a notícia àquele jovem.
- Seu braço esquerdo está quebrado. A tala vai resolver e vai ficar tudo bem em pouco tempo. Já o braço direito... - falou o médico, que a essa altura foi interrompido pela visível apreensão de Daniel.
- O que aconteceu com meu braço direito? Fala logo!
O médico hesitou em falar.
- Infelizmente houve uma fratura grave no seu cotovelo direito. Precisaremos fazer a primeira cirurgia mas acredito que você não volte a ter movimentos nesse braço. - A notícia veio como uma faca no estômago do rapaz.
- Primeira cirurgia? Vão ter outras? Com assim? Eu nunca mais vou mexer o braço, é isso?
A essa altura, Helena, a mãe do rapaz, já chorava baixinho sem querer demonstrar desespero ao filho; e o médico, tentando manter sua compostura pra que a agitação do paciente não fosse ainda maior.
- Precisamos estudar seu caso um pouco melhor, Daniel, mas infelizmente até o momento o procedimento será fazer a primeira cirurgia o quanto antes. Terão outras, sim. Não posso te dizer ao certo ainda quantas serão, mas preciso que você comece a trabalhar o seu psicológico desde agora pra todo o processo. Levará alguns meses até você sair daqui. Inicialmente você vai tomar remédios fortes pra dor e pra controle de abstinência.
- Eu não preciso de remédios pra controle de abstinência. Eu paro a hora que eu quiser. Só uso algumas coisas pra me soltar. Nada demais. - o jovem rebateu negando seu vício.
- Seu exame toxicológico diz o contrário. E todo mundo fala isso. Conheço pessoas como você todos os dias. A primeira dose do remédio virá às 10h. A psicóloga vem as 11h30. Qualquer problema fique a vontade pra chamar os enfermeiros. - O médico terminou o diálogo sem que o rapaz tivesse a chance de falar qualquer outra coisa e se retirou, deixando Daniel apenas com seus pensamentos a milhão após a notícia de que teria se tornado um deficiente físico. Logo ele, que nunca havia quebrado osso algum. Perfeito fisicamente. Não mais.
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Coração de Cocaína
RomanceAnjos e demônios vivem dentro de você. Ele sabia bem disso. Sabia que esperava algo que despertasse os anjos que existiam dentro de si, mas não sabia o que estava esperando. Acompanharemos a história de Daniel, rapaz de família nobre que até encontr...