Nó(s)

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Todas as folhas deixadas na escrivaninha mostravam o quão produtiva a madrugada havia sido,entregaria dentro do prazo exatamente como sua editora vinha exigindo , não que a cobrança fosse indevida mas desde o início do declínio de sua vida amorosa os prazos acabaram deixando de ser sua principal preocupação.
O primeiro estágio,negação. Ah a negação...trouxe consigo um sentimento de irresponsabilidade que nunca experimentara antes,nada mais parecia fazer sentido,não havia como seu mundo ter virado de ponta cabeça tão drasticamente de uma hora para outra,algo deveria ter ficado mal explicado,mal resolvido.
Foi nessa busca pelo “quê” deu errado que tudo começou a ficar difícil de administrar,sua mente não desligava , o que teoricamente lhe daria possibilidade de resolver tudo porém , permanecia com a mente na prioridade...errada.
A porta abriu com um som oco característico,o perfume antecedeu a chegada da figura que ocupava sua mente,seus dias e cada espaço de seu apartamento.
O sobretudo escuro contrastava com o tom de pele claro,realçava os olhos castanhos que tanto lhe encantaram. Deus,duas semanas afastadas e ela estava mais linda do que se lembrava.

- Vim buscar o que falta,pensei em avisar mas sei que perto dos teus prazos você se isola.

Me isolo,principalmente quando quero e preciso remoer cada palavra de nosso último encontro.

- Deixei tudo como você tinha organizado.

Ela passeia pela casa com a mesma desenvoltura de sempre,como se ainda fosse sua casa,nossa casa. Parece não levar em conta o quanto isso é errado depois de ter profanado nosso local sagrado,nosso santuário particular.
Mesmo assim,a vontade insana de oferecer perdão para um erro que não tem justificativa ainda atormenta minhas entranhas.
Segundos que pareceram horas enquanto a vejo sumir dentro de nosso quarto.
Devia pedir para que ela ficasse,que tentassemos novamente. Talvez o correto fosse pedir para que reconsiderasse,talvez eu pudesse explicar o quanto não quero deixá-la partir,que uma relação tão longa não deve ser descartada assim.
O tempo parece desacelerar ainda mais se possível quando a vejo caminhar de volta pra mim com a mala em mãos e o rosto impassível.
Meu coração afunda,o mergulho profundo revira meu estômago,fecha minha garganta,tira o restante do meu ar.

- É isso?
- É isto.

Sua mão já se encontra na maçaneta da porta,tudo que consigo ver agora são suas costas. Não deveria ser assim.

- Não quero desatar o nosso nós.
- Eu também não.
- Eu te amo tanto.
- Eu também amei você.

A porta se abre,o rosto umidece,um último olhar é trocado.

- Não volte mais aqui por favor. O que faltar eu peço pra que te entreguem.

A porta fecha com o mesmo baque oco e ao encostar minha testa na madeira gelada,consigo ouvir um soluço alto e o início do choro.
Passo a mão em minha face,seca e desprovida de lágrimas.
Mentir nunca foi meu forte mas acho que mereço um prêmio pela atuação de ouro,só por hoje me darei o direito de beber a garrafa esquecida no fundo da adega.

Só por hoje.

Me encontraOnde histórias criam vida. Descubra agora