Capítulo Único

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    Talvez houvesse algum tipo de limite, afinal de contas. Talvez, nem todas as diferenças pudessem ser ignoradas e superadas, como me ensinaram um dia. Ou então o mundo não era exatamente como eu esperava que fosse, e isso não deveria ser tão surpreendente, deveria? Todos os dias eu ouvia relatos, fosse ao vivo ou em textos na internet, sobre pessoas que sofriam o preconceito na pele. Todos os dias pessoas eram expulsas de casa, mortas, surradas, xingadas, humilhadas pelo simples fato de aceitar suas próprias vontades e seus desejos. Em todos os minutos sempre haveria alguém no mundo sentindo o que eu estava sentindo agora. Talvez eu devesse esperar por isso, então. Eu deveria ao menos ter sido cuidadosa, não era? Mas a ideia de que as pessoas que me trouxeram ao mundo, que me criaram, que me amaram, estavam agora falando coisas horríveis a meu respeito, aquilo doía como se fosse físico. Era uma dor terrível no peito, como se alguém arrancasse parte dele, uma parte que eu jamais recuperaria completamente.

    Tinha sido assustador no início. Meus pais diziam que eu deveria casar e ter filhos, netos, dar a eles todas as alegrias que apenas a única menina entre sete filhos poderia dar. E de repente… Lá estava eu, beijando uma outra garota, gostando disso, querendo mais. Minha cabeça gritava que aquilo não estava certo, meu corpo tomava as ações que meu coração queria tanto que calava minha mente. Meus instintos berravam que meus pais desaprovariam, minhas mãos passeavam pelo corpo da garota como se soubessem exatamente o que fazer. Eu só… Estava com medo, apavorada, ansiosa, eufórica, tudo isso ao mesmo tempo. Não que eu a amasse, eu não a amava. Ela era uma colega da faculdade por quem eu estava atraída já fazia algumas semanas, mas escondia isso com a desculpa de ser apenas uma admiração muito grande. Afinal, não era a única atração súbita que eu sentia naquela faculdade. Havia outro… Havia ele, o garoto de olhos verdes que me investigavam o tempo todo… Mas esse eu estava decidida a ignorar por motivos de: estranho e perigoso demais. Então era ela, e eu a quis, e eu fui atrás... Até que tal admiração se transformou em beijos desenfreados em uma tentativa de “fazer um trabalho”. Não me arrependi disso, apesar das consequências. Seria injusta comigo mesma se me envergonhasse do que tínhamos feito. Aceitei o fato de que, sim, eu me atraía por garotas também, e era isso. Depois de dias discutindo comigo mesma em minha própria mente, eu assumi no meu coração que eu era livre para querer, amar, beijar, transar com quem eu quisesse, com quem eu escolhesse. Mas então, naquela noite, todos aqueles beijos com a garota chegou aos ouvidos dos meus pais, e tudo acabou em gritos e histeria.

    Toda aquela noite tinha passado em um borrão de gritos, acusações, lágrimas de decepção, lágrimas de tristeza, palavras que haviam me magoado mais do que tapas o fariam. “Você nunca nos envergonhou tanto quanto hoje, Ginevra”, “Nunca me senti tão decepcionada quanto agora”, “Você me enoja”, “Essa sua brincadeira está acabando com a nossa família”. As frases se repetiam na minha cabeça sem parar, me deixando cada segundo mais destruída, sentindo meus pulmões arderem quando aquilo me impedia de respirar. Estava com medo de chorar. Já tinha chorado tanto, e o que resolvi fazendo isso? Nada. Então, se ninguém poderia nem ao menos me consolar, para que serviam as lágrimas? Não, eu não era uma garota de choros, preferia a companhia do álcool.

    A garrafa de vodka barata estava dentro de um saco de papel, meus dedos apertados ao redor dela enquanto eu caminhava pela rua. Era madrugada. Eu não deveria estar andando por ali de madrugada, era perigoso demais. Mas eu não conseguia me importar, duvidava que alguém pudesse me machucar mais do que eu já tinha sido naquela noite. Mas havia algo, bem no fundo do meu coração, que aceitava toda aquela situação com meus pais como algo esperado. Eu sabia que eles não me apoiariam na minha decisão. Não, não a única menina entre sete filhos. Não a filhinha que deveria ser feminina e doce e dar a eles a família perfeita cheia de netinhos ruivos. Então eu não estava surpresa pela falta de apoio, na verdade. Estava machucada pelo modo como eles mostraram aquilo. Palavras machucavam, às vezes muito mais do que surras poderiam fazê-lo.

Green Eyes - HinnyOnde histórias criam vida. Descubra agora