Viagem

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   Dia 5 da akakuroweek2018
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   O último dia de aula.
   As últimas horas nesse mini inferno comumente chamado de escola.
   Finalmente haviam chegado as férias de verão. E como a maioria das crianças eu já fazia vários planos para a mesma que provavelmente não seriam concretizados.
  O que foi confirmado. Não porque eu passei todo o meu tempo livre (ou seja, os momentos que eu não era feito de escravo pela minha mãe) dormindo. Mas sim pois descobri, ao chegar em casa, que seria obrigado a morar com a minha avó durante todo o período das férias.
  Eu amo a minha avó. De coração. O problema é que ela mora no meio do mato. Sozinha. Sem wi-fi. Ou seja, não tinha nada pra mim fazer por lá a não ser infernizar as galinhas o que perdeu a graça com o passar dos anos.
  Eu até tentei contestar. Mas no final eu ainda sou um filho respeitoso e não podia simplesmente brigar com minha própria mãe não é?(Não tinha nada a ver com o fato dela ter acabado de comprar um chinelo novo).
   Por fim acabei sendo obrigado a passar 8 horas sentado em um trem, com várias pessoas desconhecidas ao redor enquanto aproveitava o resto do meu precioso wi-fi, que não conseguiria ver pelos próximos 40 dias, até o mesmo sumir de vez me deixando apenas com minhas músicas deprê pra fazer companhia.
   Quando finalmente cheguei a estação minha vó me esperava com um sorriso no rosto me abraçando forte quando me aproximei.
  A vó sempre foi super gentil comigo,  me mimava sempre que possível e mesmo tendo idade já avançada ela ainda aparentava no máximo 40 tendo energia de 20 (de vez em quando conseguindo ser ainda mais animada que eu).
  - Sei-chan como você cresceu. Está tão bonito. Só um pouco magro. Está com fome? Não precisa se preocupar, fiz a torta de morando que você tanto gosta.- ela disse acariciando meus cabelos e eu senti minha boca salivar.
  Adorava a torta de morango da vó.
  Eu realmente não queria estar ali mas ver a vó era um ponto positivo da viajem. Sempre gostei da sua companhia.
- Então o que estamos esperando? Vamos logo.- eu disse sorrindo um pouco mais animado com a viagem.
  Não poderia ser tão ruim assim não é?
  Eu tenho que parar de dizer essas coisas.
  No final a vó me fez comer praticamente a torta toda e (embora eu não tenha reclamado no momento) depois de tudo eu acabei ficando com uma grande dor de barriga sem querer nem levantar da cama do quarto onde eu aparentemente ficaria durante minha estadia ali.
  Minha avó até tentou me ajudar com um chá estranho. Mas no final ele só me deu sono, me fazendo preferir dormir para que o amanhã chegasse logo.
  Na manhã seguinte acordei sem mais dor (sem saber se tinha sido pelo chá ou pela noite de sono) e com um deliciosa cheiro de bolo saído do forno.
  Se eu não morresse de tédio antes do fim das férias com certeza voltaria pra casa obeso.
  Levantei da cama rapidamente fazendo a higiene matinal em seguida e indo para a cozinha onde vi minha avó confeitando um bolo de chocolate me fazendo salivar.
  Eu poderia até voltar obeso mas voltaria feliz.
  Depois de terminar (e um pouco de tortura esperando o bolo esfriar) ela serviu o café colocando o bolo na mesa e me fazendo comer até que ficasse satisfeita sempre dizendo que eu estava magro e colocando mais um pedaço de bolo em meu prato.
  Depois ela ficou arrumando a cozinha e disse pra mim explorar o sítio e já que eu não tinha nada melhor pra fazer, segui seu conselho pondo minhas botas vermelhas e saindo da casa após dar um beijo em sua bochecha.
   O sítio era bem grande até.
   Tinha uma área cheia de árvores frutíferas e uma estufa gigante só de flores que até onde eu sei são como a vó ganha uma parte de seu dinheiro as vendendo.
   Tinha também um galinheiro, uma pequena lagoa artificial e muito espaço de campo aberto além do matagal.
   Andando um pouco notei uma grande árvore no meio de um grande descampado.
   Tinha os troncos e galhos grossos e entortados com uma grande copa que fazia uma sombra tão grande quanto a mesma que parecia extremamente agradável e convidativa.
    Me aproximei da mesma me sentando na grama completamente verde e bem cuidada que cercava o local e me apoiando no grande tronco fechando os olhos e aproveitando as sensações boas que me invadiam.
   Achei um bom local para não fazer nada.
   Pelo menos era o que eu achava até que comecei a ouvir barulhos de folhas e galhos se mexendo e olhei para cima achando que era algum bicho.
   Mas para minha surpresa não era um animal mas sim um garoto de cabelos azulados que me encarava fixo com seus olhos da mesma cor sem expressão nenhuma sentado em um dos grossos galhos da árvore.
  - Quem é você?- ele perguntou tombando a cabeça para o lado e eu tenho que admitir que o garoto era fofo.
  - Eu que devia perguntar isso. E o que você está fazendo aqui? Sabe que isso é invasão de propriedade não é?- eu perguntei com o cenho franzido. Ele podia até ser fofo mas não quer dizer que pode ir entrando em qualquer lugar quando quiser.
  - Acho que sim. Mas a senhora que mora aqui nunca ligou. Mas e você? Nunca te vi por aqui.- ele perguntou novamente ignorando minha primeira pergunta. E eu odeio ser ignorado.
  - A "senhora" é a minha avó. E eu vou passar o próximo mês aqui.- disse contando até 10 tentando manter a calma.
  - Entendi.- ele disse simples olhando para o horizonte e me ignorando novamente fazendo uma veia pulsar de leve em minha testa.
  - Tetsuya.- ele falou pouco antes de eu começar meu barraco.
  - Que?- perguntei confuso sem entender do que ele falava.
  - Meu nome. Kuroko Tetsuya.- ele respondeu novamente me encarando e eu o olhei também levemente desconfiado.
  - Akashi Seijuro.- me apresentei também vendo o garoto balançar a cabeça em afirmação e se escorando no galho ao seu lado me fazendo suspirar voltando a fechar os olhos e aproveitar o silêncio.
  O vento balançava a copa das árvores e a grama deixando também o clima bem agradável.
  - Porque você está aqui?- ouvi Tetsuya quebrar o silêncio.
  - Porque minha mãe quis que eu passasse as férias com a minha avó.- respondi simples ainda de olhos fechados.
  - Então você não queria vir pra cá?- ele perguntou novamente.
  - Não- tentei encerrar a conversa mais a curiosidade falou mais alto.
  - E você?- perguntei olhando para o garoto.
  - Moro aqui. Desde sempre eu acho.- ele respondeu ainda sem expressão e eu olhei para frente com o pescoço doendo por ficar olhando para cima.
  - Quer subir?- ele perguntou vendo meu desconforto ainda me encarando e eu balancei a cabeça em afirmação após alguns segundos refletindo.
  Ele então analisou o seu redor como se pensasse em uma rota para descer a traçando rapidamente e descendo da grande árvore mais rápido ainda me fazendo o olhar impressionado.
  - Vem.- ele me chamou esticando sua mão e eu a peguei sendo puxado e me levantando.
  Depois ele me mostrou os galhos que eram mais fáceis de subir me ajudando de vez em quando e logo estávamos no mesmo galho onde antes ele estava sozinho, comigo suspirando em alívio por finalmente ter chegado.
  O mais perto que eu já cheguei de escalar uma árvore foi o trepa-trepa do parquinho quando era menor.
  - Como você fez isso tão fácil- o perguntei com um bico irritado nos lábios.
  - Fazendo isso praticamente todo dia desde que me lembro por gente.- ele disse simples me olhando.
  - Logo você se acostuma. Mas olha!- ele disse apontando para frente e eu segui seu dedo com o olhar me deparando com uma bela visão.
  Como o galho era bem alto dava pra ver grande parte do sítio, dez da casa principal até o gramado liso e bem cuidado com as outras montanhas fechando a paisagem ao fundo.
  Olhei novamente para o garoto ao meu lado tendo uma visão ainda mais bonita do que a que admirava anteriormente.
  Tetsuya tinha seus cabelos azulados voando com o vento além de um pequeno sorriso no rosto e brilho no olhar. A primeira expressão que via nele.
  Parecia uma cena de filme. Ficando o observando até que também sorrindo voltei a observar a paisagem e ficamos aproveitando aquela atmosfera calma do fim da tarde.
  Isso até eu perceber minha avó no quintal olhando de um lado para o outro e só então percebi que o sol já se punha e que ela provavelmente já estava preocupada me procurando.
- Tenho que ir. Minha avó está me procurando.- disse a encarando.
- Sei. Vamos, eu te ajudo a descer.- ele diz e embora ainda um pouco desconfiado com relação a ele aceitei tendo em mente que se tentasse sozinho provavelmente acabaria caindo.
  Ele novamente me ajudou e nos despedimos rapidamente indo cada um para um lado.
  Voltei para a casa seguindo o mesmo caminho que usei para chegar até a grande árvore avistando minha avó me procurando como antes e me aproximando dela.
  Ela apenas perguntou onde eu estava o que respondi rapidamente antes de me levar para dentro novamente me empanturrando de comida antes de ir dormir pensando no garoto estranho que eu conheci naquela tarde.
   Eu só não esperava que me encontrar com o tal "garoto estranho" viraria rotina.
   Eu acordava, tomava café enquanto conversava com minha avó, ia até a grande árvore onde nós encontramos e ele sempre estava no mesmo lugar.
   Não sabia se me esperava ou se também era uma rotina para ele. Mas seja lá o que fosse agradecia já que eu realmente passei a apreciar sua companhia.
   Tetsuya era calmo e sabia apreciar o silêncio assim como eu. Mesmo assim ainda sabia puxar conversa. Falando sobre tópicos aleatórios que de alguma forma conseguia me fazer sorrir. E mesmo não tendo expressão na maioria do tempo, quando abandonava a mesma e abria pequenos ou grandes sorrisos eu me sentia especial.
   Eu me sentia feliz ao lado do azulado.
   E assim seguindo essa rotina as férias nas quais eu jurava que morreria de tédio, acabaram passando rapidamente sem que eu sequer percebesse (assim como tudo que é bom).
  Era o último dia que passaria ali e eu não me sentia feliz como achava que ficaria o que era estranho.
  - Então... Amanhã você vai embora não é?- ouvi Tetsuya questionar baixo olhando para o horizonte com sua inexpressão de sempre.
  Nós dois estávamos na mesma árvore onde passamos praticamente as férias inteiras, observando a vista como da primeira vez que nos vimos.
  - Sim.- disse simples sem encara-lo.
  - Está feliz?- ele perguntou virando seu olhar para mim.
  - Sim. Vou sentir falta de você e da vó. Mas a cidade com certeza é o meu lugar.- digo mesmo sem tanta certeza do que dizia.
  - Entendo.- ele disse sério voltando a encarar a paisagem e ficamos novamente em silêncio.
  - Está na hora de eu ir.- eu disse vendo o mesmo acentir com a cabeça e fui descendo da árvore dessa vez sem precisar de sua ajuda já acostumado com a descida depois de fazer aquilo as férias inteiras.
  Quando chegamos ao chão nos encaramos por alguns segundos até ele quebrar o clima estranho com um pequeno sorriso.
  - Tchau Sei-kun.- ele disse ainda sorrindo e em um ato de impulso eu beijei sua bochecha vendo ele levemente corado o deixando ainda mais fofo.
  Não entendi bem o porque de eu fazer aquilo. Só achei que precisava,, então fiz. Ficando levemente corado também em seguida.
- Tchau Tetsuya.- disse rapidamente correndo em direção a casa do sítio onde encontrei minha avó na varanda com minhas malas já prontas para ir.
  Ela sorria para mim e eu a retribui pegando em sua mão indo em direção a estação de trem junto com a mesma em seguida.
  Quando chegamos lá ela me abraçou fortemente como quando foi me buscar na mesma estação beijando minha testa e dando várias recomendações além de um grande (e bota grande nisso) pedaço de bolo para eu comer durante a viagem.
   Felizmente eu tenho uma genética muito boa e diferente do que eu pensava, eu saí da pequena cidade com o mesmo peso que cheguei (podem morrer de inveja).
   E lá se foram mais 8 horas cercado de desconhecidos enquanto espero o sinal do wi-fi voltar.
  Mas diferente do que eu imaginava mesmo quando este voltou, às várias mensagens nas minhas redes sociais e os jogos online não tinham mais a mesma graça de antes das férias e eu não entendia o porque.
   Eu cheguei em casa mas tudo parecia tão barulhento, cheio e cinza que eu me peguei lembrando do silêncio do sítio de minha avó e da paisagem bonita que o mesmo tinha.
   Balancei a cabeça tentando afastar os aqueles pensamentos estranhos. Eu queria voltar para a cidade. Para a vida agitada e com wi-fi.
   Mas então... Porque sentia que faltava alguma coisa.
   Suspirei e fui para casa. Minha casa.
   Minha mãe me recebeu com lágrimas nos olhos dizendo que estava com saudades e eu só pude rir de seu drama. Ainda mais sendo ela que me mandou para lá.
    As aulas voltaram, e o inferno recomeçou. Matéria, para-casa. Trabalho em cima de trabalho e provas. E como qualquer criança tudo que eu fazia era contar os meses para as férias.
   A vida agitada voltou e eu tinha novamente tudo o que tanto reclamei antes de ir para o interior.
  E mesmo assim a sensação de que faltava algo não ia embora. Me acompanhando por vários meses.
  Até que, enfim, depois desses torturantes meses, as férias de primavera chegaram e dessa vez eu que pedi para voltar ao sítio de minha avó.
   Queria saber se caso eu voltasse para lá descobriria o que tanto me incomodou nos últimos meses.
   Então peguei o trem mais  uma e chegando lá foi igual da primeira vez.
   Minha avó me recebeu com um forte abraço me empanturrando de comida em seguida. Comigo indo dormir logo após me encher.
   Na manhã seguinte segui para a mesma árvore na qual passei minhas férias de verão mas ao chegar lá tinha algo errado.
  Tetsuya não estava lá.
  Perguntei sobre azulado para minha avó que disse que o mesmo havia se mudado alguns dias.
   Aparentemente eles eram vizinhos e por algum motivo, o garoto gostava de passar as tardes naquela árvore. E já que ele não parecia que faria mal a ninguém ela o deixava ficar por lá.
   Suspirei tristemente quando ela disse tudo aquilo, me assustando de leve ao perceber o quão triste fiquei ao saber que não poderia me encontrar com o azulado.
   E então eu finalmente entendi do que tanto senti falta nos meses que passei em Tóquio.
   Eu sentia falta dos nossos encontros. Das nossas conversas. De observar a vista ao seu lado ou apenas fechar os olhos e aproveitar a companheira um do outro e as sensações a nossa volta.
  Eu sentia falta de Tetsuya.
  Fiquei um pouco assustado com isso no início. Mas aos poucos fui me acostumando com a ideia e me conformando que mesmo descobrindo isso não poderia me encontrar novamente com o azulado já que não fazia a menor ideia de pra onde o mesmo tinha ido.
   Então passei minhas férias lendo debaixo da árvore, dormindo e comendo (comendo muito).
  Até que toda a cena de despedida se repetiu novamente e eu mal cheguei em casa e fui informado que teria que sair novamente.
  Tá faltando empatia nessa família. Não tive tempo nem de descansar.
  Aparentemente nós temos um novo vizinho que acabou de se mudar e iríamos visitá-lo.
  Até hoje eu não entendo porque as pessoas se obrigam a conhecer os seus vizinhos.
Eu não preciso aumentar meu círculo social.
  Estou bem eu e meu celular.
  Mas não é como se eu tivesse muita voz, sendo arrastado para mais um encontro com pessoas que eu provavelmente tentaria evitar ao máximo.
  Mas qual foi a minha surpresa ao ver na casa ao lado o azulado que eu procurei durante as últimas férias me fazendo arregalar os olhos em surpresa.
  - Oi Sei-kun- ele disse ao se aproximar com um sorriso calmo nos lábios.
  - Oi. Tetsuya.- respondi retribuíndo seu sorriso e ele pegou em minha mão me levando para dentro de sua casa onde jantamos e conversamos. Conversamos muito, de tudo um pouco, rindo até a barriga doer de alguns comentários.
   E eu então percebi que meu lugar não era em Tóquio. Muito menos no sítio de minha tia.
  Meu lugar era ao lado do azulado que fez das minhas férias muito mais divertidas.
  Meu lugar era ao lado de Tetsuya.
 

  

  
 
  

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