CAPÍTULO 2

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Ainda estou atordoado com tudo que acabei de escutar e, ao terminar de descer as escadas, escuto uma conversa entre Julia e minha mãe:

– Quando vai terminar a reforma do meu quarto? Não estou aguentando mais o Thomas, já tem muitos dias que ele fala enquanto dorme e, algumas vezes, começa a grunhir algumas palavras sem sentido que chega a dar medo.

Mamãe escuta atentamente enquanto coloca os pratos sobre a mesa.

– Calma filha. Só peço que espere até o fim de semana que vem, quando eles terminarão a reforma. – Se virando então na cadeira de rodas, ela vai até a pia para buscar os talheres e continua: – e, quanto ao seu irmão, vou proibi-lo de ver esses filmes sanguinários que ele tem assistido.

Estou parado na escada, pensando em como contar para elas o que eu vi, sem que eu pareça tão descontrolado quanto o homem da entrevista. De repente a campainha começa a tocar insistentemente e meu coração dispara. Julia continua sentada na mesa folheando uma revista. Mamãe pede para que ela vá abrir a porta, mesmo fazendo algumas caretas, ela acata a ordem. Ao abrir a porta, uma bela surpresa: meu pai, Charles. Ele tem cabelos castanhos escuros, olhos azuis – dos quais sou feliz em ter herdado – e um porte físico de se invejar, apesar de seus cinquenta anos de idade. Muitos dizem que sou uma réplica dele quando tinha quatorze anos. Pele branca, cabelos pretos estilo Chace Crawford, corpo esguio, porém, bem definido. Ele está vestido com seu uniforme militar verde camuflado com nosso sobrenome – Andrade – no lado esquerdo da camisa, boina, coturno, como de costume. Já fazia três semanas ou mais que não o via. O fato de ele ser general de exército acaba o mantendo por tempos fora de casa, nunca tem data para voltar. Vou até ele para lhe dar um abraço, mas vejo em seus olhos algum tipo de urgência.

– Por que diabos vocês trocaram a fechadura? – mas antes que expliquemos para ele que a antiga fechadura havia emperrado, ele prossegue. – Peguem comida, água, algumas peças de roupas e levem para o carro.

– Por quê? – pergunta minha mãe.

– Sem perguntas, apenas façam o que estou mandando!

Fazemos o que ele manda, enquanto Julia o ajuda a posicionar a cadeira de rodas da mamãe no carro. Observo que ele não está mais com o Chevrolet Astra de quando saiu de casa, agora está com uma S10 branca, de cabine dupla com transmissão automática e tração nas quatro rodas. O que me chama atenção no carro é o grande e reforçado para-choque de impulsão de ferro na parte dianteira do veículo. Fico pensando o motivo que o levou a mudar de carro e colocar esse apetrecho. Termino de pegar minhas coisas, mas tenho a sensação de que o que está acontecendo agora tem alguma ligação com aquela notícia que acabei de ver.

Passados alguns minutos já estamos todos na S10, um silêncio reina entre nós, decido contar sobre o que vi na tevê, no entanto, Julia é mais rápida que eu e começa a falar primeiro:

– Ok, já pode nos dizer onde estamos indo pai?

Minha irmã é alta, pele levemente acobreada, olhos e cabelos tão negros quanto o fundo do oceano, está no auge dos seus 18 anos enquanto eu ainda estou nos meus 14. Todas as suas características foram herdadas de nossa avó paterna, a qual Julia era muito apegada. Lembro-me que no velório dela, ela não parava de falar um minuto sobre as coisas que as duas costumavam fazer juntas.  Volto a prestar atenção no que ela diz:

– Poxa, nem deu tempo de arrumar meu cabelo direito, não sei pra que tanta pres... O que é aquilo?

Rapidamente, olho na direção em que ela está apontando e vejo vários militares e bombeiros em frente à uma casa que, aparentemente, está interditada. Ele encosta o carro para ver o que está acontecendo ali, talvez por pura força do hábito.

– Quero que vocês fiquem aqui! Só vou ver o que está acontecendo e já volto. – Diz ele, com um tom de voz um pouco alterado.

Estou tomado pela curiosidade e mesmo um pouco hesitante abro a porta do carro para ir atrás do meu pai, mas mamãe segura minha mão.

– Por favor, querido, fique aqui. Seu pai com certeza tem um ótimo motivo para nos mandar ficar.

– Não se preocupe mãe, vou tomar cuidado.

Ignoro todos os pedidos que ela me faz para ficar e corro para onde meu pai foi. Ao chegar perto da faixa que diz "Interditado" fico paralisado com a cena que presencio: logo após a cerca da casa, há cinco corpos no chão e uma poça de sangue em volta deles, aparentemente três crianças e dois adultos. Reparo que é possível identificar a marca de uma bala na cabeça de cada um dos cinco mortos que estão ali.

Sinto uma mão no meu ombro e dou um pulo para o lado com o susto repentino que levo.

– Thomas Benedito! Eu não disse para você ficar no carro? – meu pai está com uma expressão confusa no rosto, um misto de raiva por eu o ter desobedecido e medo. Mas medo do que exatamente? – Vamos voltar para o carro agora mesmo, não acredito que essa coisa já chegou aqui... – Ele faz uma pausa e eu não consigo entender a que “coisa” ele está se referindo. – Precisamos dar o fora daqui!

– Pai, o que está acontecendo?! Quem matou essas pessoas?

Não consigo esconder o desespero em minha voz e ele se torna ainda maior quando ouço um militar responder a minha pergunta:

– Eles não eram mais pessoas normais quando chegamos aqui garoto, por isso, nossa única alternativa foi eliminá-los.

Sobreviventes do Apocalipse - Livro 1 da Duologia Últimos Dias na TerraOnde histórias criam vida. Descubra agora