O que eu fiz da minha vida? - perguntava a si mesma enquanto seus olhos dilatavam-se na escuridão da sala vazia.
Nunca fora muito de crenças, mas estava tentando encontrar um motivo, uma justificativa, que fizesse algum sentido. No fundo, sabia como havia chegado até ali, só era difícil de admitir. E quando isso acontece, é mais fácil acreditar em destino, karma, qualquer coisa que não remeta à própria culpa, à real razão.
Distraída em seus pensamentos aflitos, não percebeu as lágrimas silenciosas que percorriam-lhe a face. Havia perdido o sono..., e a esperança. Talvez estivesse com medo. De que?! Hora..., existem muitos medos. Medo do que não se pode controlar, como o destino, o dia seguinte, o instante seguinte. Medo de estar se precipitando e cometendo outro erro que custará caro no futuro, algo que a faça se arrepender depois. E se não tiver mais como consertar?! Medo de não ter mais tempo. Medo de desaparecer. Sim, medo de se tornar terrivelmente invisível. Começa sendo ignorada pelos outros e tão logo não conseguirá mais ver a si mesma no espelho. Um dia, não estará mais ali. Começou sendo ignorada e esquecida por quem vivia a seu lado e então se alastrou como erva daninha.
Talvez eu esteja ficando louca. - pensou.
Seus pensamentos estavam bastante confusos, mas de uma coisa ela tinha certeza: precisava mudar aquela realidade o mais rápido possível.
Sempre ouviu dizer que para tudo havia um princípio, um meio e um fim. Mas e se começasse pelo fim? Talvez as coisas não tenham uma ordem exata como costumam afirmar. Talvez a desordem, o caos seja a realidade. Lembra-se que começou a pensar sobre isso quando seu psicólogo comentou que a verdade é relativa. Mas verdade é verdade e mentira é mentira, não?! - perguntou confusa. A verdade é de cada um segundo suas experiências, segundo seu próprio entendimento, segundo sua visão pessoal. Por isso a verdade pode ser diferente para cada um. - Daniel explicou.
Daniel era um psicólogo de meia idade, bastante experiente. Lucy dizia que ele era um intelectual com discrição, pois não gostava de colocar sua incrível inteligência de forma arrogante. Fazia a linha mais "suave", e isso fazia com que as sessões de terapia parecessem mais leves.
Estava em tratamento com Daniel há 3 anos.
Tratamento é um termo um pouco pesado, eu diria. É como se eu estivesse doente... E se for uma doença o que eu tenho? Que nome terá? Talvez eu devesse perguntar à ele. - refletiu. Mas ao pensar nisso, sentiu um frio na espinha com a possibilidade de realmente estar doente. Em três anos de análise, nunca havia pensado nisso. E se Thomas estiver certo e o problema for eu mesma? Talvez esteja fadada a viver isolada e esquecida por todos até à minha morte. - sentiu outro calafrio.
Incrível como os pensamentos vem e vão como se bailassem dentro da cabeça. Ou talvez sejam como ondas no mar e, algumas vezes, a maré está alta com ondas gigantes se jogando fortemente contra a orla. Outras vezes há apenas uma ou outra marolinha, suave como uma brisa. - gostou dessa ideia e esboçou um sorriso de canto de boca enquanto pensava. Pensou em tomar nota, mas sentiu o cansaço chegando, e naquela madrugada chuvosa, em meio ao barulho dos seus pensamentos tumultuados, no escuro profundo, ela adormeceu ali mesmo, no sofá.
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Constelação
General FictionE se um dia você acordasse e percebesse que toda a sua vida havia sido uma mentira? Se percebesse que viveu sempre a vida que os outros queriam que você vivesse? E se resolvesse consertar tudo? É possível recomeçar?