Capítulo 1

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E lá se vai mais uma noite na Corcova. A luz do nascer do sol já esquenta minha bochecha direita, amassada de encontro com o vidro da janela, se é que posso chamar isso de janela. Meu dedo indicador desliza sobre o vidro procurando saliências, mas não encontra nada além da embaraçosa visão do sol se erguendo atrás do grande muro que cerca toda a Corcova.

O porquê disso tudo? Nos proteger das fortes queimaduras que a luz solar pode nos causar ou apenas por fim luminoso, afinal economia se leva muito em rigor nos dias de hoje. Tudo de natural é e deve ser alterado pela ciência, assim como nosso precioso ar, que é filtrado pelas grandes turbinas que frequentemente abalam minhas noites.


Essa vidraçaria certamente aguenta os socos de Paul com seu muque, e ainda mais eu, que não passo de um pequeno magricelo. Sou inofensivo para essa parede de vidro.

Meu pensamento é interrompido pela sirene matinal, e logo a luz se apagam. O sinal indica que em poucos instantes a porta abrirá, e que seremos liberados para cuidar das nossa necessidades, ao menos isso ainda é preservado aqui.

Visto o mesmo macacão cinza de sempre sobre o pijama, fecho até metade o grande zíper chegando ao meu peito, calço os sapatos indo em direção á porta, tento arrumar meu cabelo que cai sobre a testa sem grande sucesso. Pego meus óculos sobre meus livros na única prateleira do meu luxuoso aposento (ironia nunca me faltou), livros esses que conquisto um a cada ano, nessa querida data.

Me arrumo de frente com a porta como os antigos militares, e quase bato continência como reflexo. Espero a porta ser aberta. Leva segundos até que ela se abre em um suspiro pneumático, fazendo-a deslizar da direita para a esquerda, se alojando dentro da parede.

Dou um último suspiro no silêncio do cômodo para enfrentar o turbilhão que vem de fora. Meu pé direito alcança o corredor. Luzes beiram o teto, fazendo-se refletir no mais limpo chão que chega a causar ardência nos olhos.

Pertenço ao último quarto, sendo assim o último a chegar para a higienização, o banheiro fica no final do imenso corredor, depois de todos os quartos que estou mais familiarizado em chama-los de selas.

Logo as cabines se abrem, uma após a outra, libertando todos os tipos de garotos, altos, baixos, alguns fortes, outros magros, os mais tímidos que vivem admirando o chão, e claro, os espalhafatosos que adoram se aparecer.

Alguns meninos correm em disparada, não podem sentir o gostinho da liberdade que já querem abusar, desaceleram no instante em que se aproximam dos seguranças que se espalham pelos cantos do corredor, com armas elétricas nas mãos.

Após alguns passos dados uma porta me chama atenção, afinal ela esta fechada. Me aproximo pensando que o garoto foi chamado para fazer exames porque seu implante apitou, ou talvez... Ah sim, claro. Frank o garoto mais brigão da Corcova.

Tento espiar através da pequena janela da porta. Não costumo enxergar bem, porém vejo claramente ele lá largado no chão, escorado na cama, creio que apertando alguma espécie de bola, talvez pensando em quem vai descontar toda sua raiva, deve ser isso que está se passando naquela cabeça loira.

Deixo escapar um sorriso afinal ele sempre faz por merecer. Ele se desfaz quando seus olhos encontram os meus, o contato é inevitável, chego a sentir a dor da bola, sendo assim minha cabeça ao invés dela. Penso.

Fico paralisado por alguns segundos, ou melhor, milésimos de segundos. Até que o som da bola abre um grande estrondo no vidro da porta, volto a sã consciência e continuo a andar.

Tomara que minha cabeça não substitua aquela bola quando ele sair de seu "castigo", por alguma imprudência cometida que desconheço.

Chego ao banheiro onde comprimento com a cabeça o guarda que esta ao lado direito da entrada, mesmo sabendo que não vou obter nenhuma resposta. Nem ao menos posso ver seus olhos, pois até máscaras eles usam. Devem temer muito jovens após 12 horas de puro isolamento.

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