Sobre garotas, janelas & espelhos

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Virgínia não era lá... Muito ligada à essa coisa de amor. Típico de uma moça da sua idade e geração do pós-moderno-não-sabemos-para-onde-vamos. Se preocupava com outras coisas, se tornar uma mulher culta, independente e emancipada e também sobre o seu futuro profissional. Também costumava entrar em muitos debates acalorados sobre questões pertinentes à sua sociedade contemporânea-retrógrada – verbete este, criado pela própria –. Guardava em suas gavetas, uma considerável coleção de complexos, dos mais variados gostos e tamanhos, às vezes um para cada dia; complexos de infância, complexos de opinião, complexos de existência, complexos de bolo, complexos de chá e complexos de café. Virgínia se achava feia. Descobriu e por unanimidade de si própria, se declarou culpada e feia por notar que para se arrumar, demorava de trinta minutos a uma hora em frente ao espelho. Então desenvolveu uma teoria, ou melhor – antes que ela venha reclamar comigo –, uma tese de que as pessoas que passam muito tempo de frente a um espelho, são as mais inseguras, portanto, como não queria admitir a si mesma sua própria insegurança, declarou-se feia, e por isso não precisava mais do veredito dos senhores espelhos. Passou então a evitá-los.

Por incrível que possa parecer e apesar de tudo, Virgínia estava orgulhosa e relativamente contente, pois fazia três meses que não se olhava em qualquer espelho, nem mesmo para escovar os dentes... – relativamente contente, é uma forma sutil que encontrei de afirmar que ela estava mentindo para si mesma –.

Virgínia era uma garota que percebia muitas coisas, todos os dias. Num desses dias, ou um dia chuvoso de outono em questão, percebeu que há muito, não abria a janela do seu quarto para ver o que de bom havia lá fora. Ela costumava fazer isso antigamente – principalmente na infância –, passava horas à toa olhando pela janela, observando as pessoas e vivenciando mil – e uma – histórias. Dessa repentina e inexplicável nostalgia, decidiu reviver aqueles momentos e por exatos três segundos, viu-se intrigada por três motivos, uma para cada segundo:


00:00:01. Ela realmente não se lembrava qual fora a última vez em que tinha feito aquilo.


00:00:02. Também não se lembrava da existência de outra casa ao lado como também o óbvio fato da janela do quarto da casa vizinha, ser de frente para a sua.


00:00:03. Na mencionada janela, uma garota lá estava, também observando o outono daquele dia.


O contato visual a deixou transtornada. Se assustou, fechou a janela e prometeu não pensar sobre o ocorrido, no entanto, conforme os dias iam se passando, pensou e assim continuou. Virgínia não conseguiu esquecer e sem querer pensava ainda mais nela, na garota daquele dia, com ar de mistério, cabelos curtinhos e ondulados, franja reta e mal cortada, óculos de armação grossa – parecidos, senão iguais aos do Hayao Miyazaki –, seus olhos eram razoavelmente grandes e expressivos, tinha a pele razoavelmente escura, como se tivesse vindo de algum país longínquo localizado no norte da áfrica.

Com o tempo, Virgínia sempre que podia – no mais amplo sentido literal – abria a sua janela na esperança que a outra garota aparecesse por ali, e pasmem, ela sempre estava, parecia até que as duas combinaram de se encontrar todos os dias para apenas se olharem, trocarem gestos sutis e se afogar ainda mais no gosto da dúvida dos dias que viriam a seguir. Pela primeira vez ela não tinha percebido algo novo. Seus pensamentos por aquela garota, começaram a vir acompanhados de uma certa angústia, o que podemos presumir que ela estava apaixonada, talvez possamos até afirmar que ela estava perdidamente apaixonada, afinal nunca tinha se sentido dessa forma, mal sabia para onde ir, com quem falar... Portanto estava perdida em confusos pensamentos de uma vida inteira, em sonhos açucarados de primavera e outros sonhos, um tanto quanto quentes de verão. Não que ela nunca tenha vivenciado esse tipo de sentimento, até mesmo teve um ou outro relacionamento amoroso, mas suas poucas experiências foram passageiras e mais "desinteressantes que o próprio domingo" – mais uma vez, outro verbete criado pela própria –. O fato é que Virgínia nunca tinha se visto daquela forma, completamente pega por algo tão extraordinário, capaz de interferir e gerar um certo caos à sua preciosa vidinha tão mais do mesmo, tão insuportavelmente cotidiana.

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