Capítulo II

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''Um Valcariano sem família é como uma morsa que anda fora de seu bando, destinado a morrer. ''

- Livro ''Segredos da antiga Thedra''



O vento frio somado aos tapas na cara dados por Dotri e o cheiro do balde de peixes de toda manhã fizeram Helena acordar no dia seguinte.

- Helena, o que foi que aconteceu? Vocês foram saqueados? - Com a visão ainda meio turva, Helena pôde ver os olhos azuis como o céu de Thedra do garoto aparecerem em sua frente.

- Retsa. - Bastou uma palavra para que o garoto magricela ficasse ainda mais branco e começar a tremer. O medo se instaurou novamente no local e o vento frio já fizera toda fonte de luz e aquecimento da casa se apagarem.

Ao tomar melhor consciência, a cara assustada de Dotri agora estava focada no braço torto de Helena e no sangue que descia pelas suas pernas. Sem tempo de sentir dor, a garota levantou cambaleando, tentando a todo custo se escorar nas paredes em direção a escada.

- Ei, fique parada, vou chamar ajuda! - A insistência do menino foi em vão. Helena começou a subir as escadas e só pensava no silêncio sufocante do andar superior. Escorou em uma parte onde pôde sujar a manga direita da blusa no próprio sangue devido ao golpe do saqueador.

Ao chegar ao andar superior, os joelhos da garota foram de encontro ao chão. Não tinha forças para chorar, apenas ficou observando o corpo da mãe ainda deitado na sacada com diversas perfurações de faca, rodeado por uma poça de sangue que descia entre as frestas de madeira do chão. Não demorou muito para Dotri subir e presenciar a cena.

- Helena, sua irmã. Não vejo ela. Talvez tenha fugido. - A esperança do garoto não foi motivadora de nenhuma reação da jovem. Seus olhos permaneciam fixos no corpo da mãe.

- Ela tinha 4 anos Dotri, com certeza ele levou ela. - O vento agora balançava os cabelos negros de Helena. Nada podia ser feito.

- Vem, pega suas coisas, vou avisar meus pais, você pode ficar na minha casa. Temos que te levar no Curandeiro Ealbar, ele vai saber como arrumar o seu braço, fez isso uma vez com o do meu irmão.

Aos poucos, Helena foi se levantando e recolhendo o pouco que sobrara da casa. Uma tábua solta no quarto da mãe revelava um tipo de esconderijo de alguns itens. Dentro, um pedaço velho de queijo, uma bolsa com 12 moedas de ouro, um velho punhal do irmão mais velho e um livro empoeirado de magia iniciante anteriormente usado pela mãe, o que a levou a ficar doente.

Helena deu uma última olhada no corpo da mãe e ajoelhou-se para fechar os olhos cor de mel que ainda permaneciam abertos. A garota pôde perceber que não se lembrava de ver a mãe tão de perto a muito tempo e que, além dos olhos, se aparentava muito a ela em outras características.

Um beijo na testa do corpo já frio selou a despedida, a garota sabia que não voltaria mais ao local e que não ficaria mais na cidade a ponto de presenciar o enterro na mulher.

- Pegou tudo? - Perguntou Dotri ajeitando os peixes que trazera numa bolsa suja de pano. A garota concordou com a cabeça.

A caminhada até a casa do garoto era longa. Ao saírem, camadas grossas de neve já haviam se formado nas ruas de Dawnstorm. Os olhos dos jovens permaneciam fixos no caminho mal trilhado e, em alguns trechos, a caminhada teve sua velocidade diminuída para evitar mais acidentes. A atenção de Helena ao braço havia voltado. A dor tinha sido amenizada pelo frio, mas ainda sim era irreal toda a situação ocorrida, era como um pesadelo.

Depois de quase uma hora de caminhada, os dois chegaram a beira de um rio parcialmente congelado. Um pequeno casebre fazia fronteira com a água gelada e uma luz fraca vinha de uma das janelas.

- Vamos logo, antes que a gente congele. - Ao adentrar a casa, a garota viu os olhos dos pais de Dotri, Nyada e Barlin Lelaf, se arregalarem.

- O que aconteceu? - Perguntou Nyada puxando Helena pelo braço não machucado e lhe dando um abraço rápido.

- Retsa. - A reação dos pais do garoto se assimilavam à do filho.

- Um Retsa? Aqui? A 6 anos não vemos aparições dessas pestes na nossa vila! - Vociferou Barlin com suas mãos gordas na mesa de madeira.

- E sua mãe? - Continuou. - Onde está ela e sua irmã.

- Mortas. Pelo menos da minha mãe eu tenho certeza. Minha irmã não estava mais lá quando acordei.

Barlin se encantava com a frieza que a garota recitava as palavras como se estivesse contando uma história de ninar. Conhecia os Ardroc desde a infância, não podia esperar que algo do tipo aconteceria apenas um ano após a morte do outros membros da família na luta contra o dragão.

Nyada depositou na mão da garota uma xícara de chá de rábano quente. Os Lelaf's olhavam fixamente para a garota, esperando qualquer reação. O braço começara a doer com o calor restabelecido no corpo e Helena começava a tremer de dor.

- Anda Dotri, leva ela ao Curandeiro Ealbar. - Disse Barlin se apressando para abrir a pesada porta de madeira enquanto a esposa lançava sobre os jovens pedaços velhos de pele de animal para proteger do frio.

- Vai dar tudo certo, Helena. Vamos te ajudar. - Sussurrou o garoto enquanto se lançavam novamente na rua congelada.

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⏰ Last updated: Nov 21, 2018 ⏰

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O Destino ArdrocWhere stories live. Discover now