Capítulo Único

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Ao som da marcha nupcial avancei pelo tapete vermelho a passos lentos. Meus olhos fixavam-se no sorriso que me esperava ao fim do caminho, enquanto meus pensamentos se encontravam tomados pelas lembranças que haviam me levado até ali. Quem diria que eu, Sasuke Uchiha, acabaria por ter esse futuro.***Era difícil para eu lembrar dos detalhes de como havíamos nos aproximado. A vida até então era um caleidoscópio de cores cinzas e vermelhas e, cego como estava por elas, certos fatos acabaram não sendo registrados. O período cinzento fora a infância, época em que um acidente havia levado meus pais e deixara meu irmão mais velho, Itachi, em um coma grave. Os dias se arrastaram e a tristeza era uma constante. Felizmente, meu primo Shisui com o qual eu morava e fora acolhido gentilmente por seus pais, entendia esse sentimento e levava-me consigo para visitar o meu irmão que permanecia imóvel em seu leito. Ele acariciava minha cabeça, lágrimas escorrendo de seus olhos, enquanto me assistia tocar a mão parada, mas quente de Itachi, e pressioná-la contra a minha bochecha, em uma nova tentativa frustrada de fazê-lo se mover. Saíamos de lá decepcionados, em um silêncio taciturno e desesperançoso que me deixava irritado. Conforme os anos passavam e a infância era deixada para trás, a raiva que vivia em meu âmago se tornou mais presente. E naquele ponto eu quis desistir. Não aguentava mais ao menos ouvir os meus tios suplicarem para que eu desse uma chance e entrasse na Universidade a qual tinha sido aceito. Oras, era Itachi quem deveria estar ali, era ele quem merecia aquele futuro brilhante, não eu, o encrenqueiro, aquele voltava com os dedos cortados após socar os desbocados que se atreviam a rir da condição do meu irmão. O que me convenceu foi a tristeza solene nos olhos do meu primo e suas palavras que ficaram gravadas em minha mente, sussurradas em meio a uma noite fria na qual ele desinfetava os novos cortes das minhas mãos: — Era o que Itachi teria desejado para você, Sasuke.Desarmado, aceitei ingressar nos estudos, certo de estar horando aos desejos do meu irmão. Sem esperança alguma do que o futuro poderia me propiciar. Eu era como um fantasma, apenas existindo, passando de aula em aula com o mesmo tom monótono com o qual havia vivido. Nada era novo, nada era excitante e muito me despertava a menor curiosidade. Mas então, um dia, você apareceu. Naruto Uzumaki. O clássico clichê do estudante transferido, atrapalhado e atrasado. E de repente, quando me dei conta, meus dias passaram a ser preenchidos com sorrisos calorosos, cabelos de sol e olhos da cor do céu matutino. Com todo o seu charme desbocado e a iniciativa que deixaria qualquer um com inveja, você forçou sua passagem até mim, empurrando as massas raivosas e nuvens cinzentas até abrir espaço para um céu azul de esperança. Peguei-me sorrindo como não fazia em anos, compelido pelo tom bobo de suas brincadeiras cujo único propósito parecia ser me alegrar. Meus tios ficaram satisfeitos ao me ver sorrir, e até mesmo Shisui comentou que eu parecia mais vivo, embora a sombra de tristeza que às vezes trespassava seus olhos ainda pudesse ser vista nos meus. Ele sugeriu que eu o levasse para uma visita a Itachi, mas eu relutava. Apresentar ambas as partes da minha conflituosa vida me parecia uma ideia perigosa. Visitar Itachi era relembrar a massa de tristeza que ainda tinha sua parcela de dominância no meu peito. Já estar com você era ser melhor e mais alegre do que os demais dias. Não sabia o que sentiria quando tristeza e alegria batessem de frente e muito menos qual delas se sobressairia. Então, por quase 3 anos, eu relutei. Até que um dia, as beiras da formatura, depois de uma crise finalista na qual a percepção de que agora toda a parte simples havia acabado e, em breve, eu teria de encarar o mundo de forma definitiva, eu cedi. Havia de ser um dia importante, um dia que eu sentia que meu irmão adoraria estar lá para prestigiar. Portanto, decidi que nada era mais justo do que ele conhecer o responsável pela felicidade que havia se instaurado em mim nos últimos anos, mesmo a despeito do sentimento de tristeza ao qual já estava acostumado. O que eu não esperava era a reviravolta que o destino ali decidira impor. O motivo não era certo, porém, eu gostava de pensar que a sua presença, transbordando a sinceridade que iluminava os recintos como se ele fosse um sol próprio, havia sido o fator decisivo. Até aquele dia eu já me acostumara a viver com aquela certeza, sempre que fosse ao hospital a condição dele permaneceria inalterada. Nada de novo sob o sol. Por isso, e principalmente por esse conformismo, que o choque se instalou em mim ao ver os dedos de Itachi se moverem e suas pálpebras tremerem. Engasgado em meio a uma risada arrancada por Naruto ao comentar que Itachi, com aquele cabelo comprido parecia mais uma Rapunzel morena, permaneci estático, a boca aberta em espanto, as sinapses do cérebro pulsando sem, entretanto, darem nenhum comando. Vendo minha inércia e os tremores que ameaçavam tomar minhas mãos, você voou para a porta alertando cada funcionário que havia no andar com sua voz potente.Naquele dia, eu não me formei. Não podia abandonar meu irmão nessa hora tão irreal. Você permaneceu ao meu lado, nessa noite e nos dias que se seguiram. De repente, eu sentia que o tapete certo que tinha sobre os pés havia sido puxado de forma brusca, me deixando em um estado novamente exposto. Todas as mágoas, todo o arrependimento, todo o sentimento de culpa e solidão, voltaram de seus lugares soterrados em minha mente. Foram meses difíceis. Houve um novo período de luto e havia ainda todo o cuidado que Itachi necessitava para garantir o fortalecimento do seu corpo após 9 anos em coma.As brigas entre nós se tornaram mais frequentes, admito que em grande parte eram culpa minha. Eu me sentia um estorvo, uma fonte de trabalho que somente te puxava para baixo, mesmo que você insistisse em negar. Acima de tudo, pairava a possibilidade de uma mudança do Estado atual em que morávamos para um com uma clínica de reabilitação mais capacitada e com uma vida urbana mais pacata. Os médicos disseram que Itachi precisaria dessa tranquilidade, tanto para o seu fortalecimento físico quanto para voltar a se readaptar com a realidade. E agora que estávamos novamente juntos, eu não podia deixá-lo, sentia a urgência de recuperar todos os anos perdidos. Afinal, não era todo dia que eu poderia rever um pedaço da minha família e tê-lo ao meu lado de forma definitiva. Tomar a decisão não foi fácil, mas eu estava convicto de que o que estava para fazer era o certo. O seu olhar quebrado, de angústia e decepção, quase foi o suficiente para me fazer desistir. Mas eu resisti e impus uma nova condição, sem mais contado, porque eu sabia que ao menor som de sua voz ou a menor visão do seu rosto, eu seria fraco e voltaria correndo para ti. Dei os passos definitivos para longe de você, me permitindo lançar um olhar para trás e guardar o último vislumbre que teria do seu rosto.Foram dez longos anos de saudade. Dez longos anos em que eu me perguntava quase todos os dias como você estaria. Os dedos comichavam pela vontade de digitar seu nome naquele campo de busca e admirar qualquer foto sua, não importava qual fosse, eu tinha certeza de que você estaria sorrindo. Porém, tal atitude era perigosa, eu tinha certeza que fraquejaria e voltaria até você com um rio de desculpas nos lábios, implorando por mais uma chance. Até que um dia, vendo minha infelicidade, Itachi e Shisui, agora casados, se juntaram para me mandar de volta. Enganado, só descobri o destino na última hora possível, quando já não havia mais volta. Resignado, aceitei a minha sina de mais uma vez te encontrar. Com fé em minhas crenças que, a despeito de todo o tempo, seu amor por mim ainda estaria intacto. E como um tolo que ama, me arrastei até a porta de sua casa com os lábios rachados e frios, mas um pedido de desculpas queimando sincero no coração. Os segundos que as batidas se estenderam e minha pele tocou a madeira foram os mais longos que havia experimentado até então. Então o frio se desfez em calor, luz jorrou da abertura e você recuou, espantado ao me ver. Afastou-se da luz e em meu peito parte das esperanças pareciam murchar diante seu olhar culpado. Não seria o bastante aparecer ali sem nada avisar? Não seria bastante olhar em meu rosto e ver ali escrito que para mim ainda não havia acabado? Não seria bastante apenas nós? Você recuou, tímido de repente. Eu estranhei. Não era do seu feitio se conter e fugir da luz. Não quando ela parecia irradiar de todo o seu ser. — Entre, temos muito a conversar.E a conversa que se seguiria fora potencialmente destruidora. Ao menos para mim.***De volta ao ambiente preenchido pela música, os passos abafados pelo tapete vermelho e macio, e o cheiro de rosas que tomava cada partícula de ar ingerida, lá estava eu, prosseguindo em minha caminhada enquanto a realidade do que eu aceitara caía finalmente sobre mim. Padrinho. Não amor ou amante, mas padrinho. Era o que eu me tornara agora. A cada passo encarava o caminho que eu havia escolhido e que me trouxera a esse momento.Os últimos acordes chegaram ao fim. Minhas mãos suavam quando a deixa para apresentar a almofada que trazia bem segura nas mãos soou. Você me lançou um sorriso e pegou a aliança ali depositada encaixando-a nos dedos delicados da mulher ao seu lado no altar. Hinata corou quando foi sua vez de colocar o anel no dedo do amado. Os dois sorriam felizes e os lábios se tocaram em um beijo apaixonado. A igreja explodiu em vivas enquanto eu via meu coração se estilhaçar diante dos meus olhos.***Não aguentava ver aquele olhar culpado em seus olhos, a dor que lhe causava ao me observar. Patético como era, eu não queria lhe dar explicações e muito menos satisfação pelas minhas ações. Não queria lhe dizer o quanto havia pensado que você estaria me esperando, no quanto havia sonhado com a vida de nós dois. Juntos. E o quanto estava decepcionado por você ter seguido em frente. Mesmo tendo sido eu a lhe dizer para fazer isso. Não, eu não queria ouvir, mas o azul dos seus olhos não me deixaria escapar tão fácil. Eu teria que escutar, lhe devia isso afinal.— Sasuke... Nos conhecemos há tanto tempo... nos envolvemos há tanto tempo... – Você mordeu o lábio, nervoso, uma expressão sua que não me era habitual. — Você sumiu por tanto tempo. Eu realmente achei que não fosse mais voltar. – O azul suplicante grudou minha visão. Era fácil para mim perceber como aquela doce garota havia se apaixonado, e nem culpá-la por isso eu poderia. Não se dizia não aqueles olhos. — Se eu soubesse, se ao menos tivesse tido notícias, uma ligação apenas, eu teria te esperado. – Eu sabia que as palavras dele eram verdadeiras, e de novo havia sido minha escolha cortar todo e qualquer contato. Na minha cabeça, eu estava evitando sofrimentos desnecessários, mas nunca me ocorrera a ideia de que eu quem seria o magoado por tal atitude. Seu suspiro cansado me atingiu, arrancando-me do passado e me atirando com um choque na realidade. — Foi há muito tempo, mais de dez anos agora. O relógio não espera por ninguém, estamos ficando velhos, não é? – Sua tentativa de sorrir com a débil piada era o que mais me doía. Eu havia provocado aquilo.— Não faz mal. Eu posso encontrar alguém como você. – As palavras escaparam dos meus lábios e pairaram no ar entre nós dois. Vi seu sorriso murchar e contive a língua. Exaltado como estava, não tinha palavras de conforto para lhe oferecer agora. — Estou aqui ainda apenas para lhe desejar felicidades, a você e a Hinata. Só isso e nada mais.— Se você diz, Sasuke. Todos precisamos seguir em frente em algum ponto, não é mesmo? – O brilho de determinação em seus olhos azuis havia sumido, mas, mesmo assim, você sorriu. — Não desejo nada além do melhor para você também.Engoli em seco e juntei coragem para falar uma última palavra, aquela que seria minha despedida.— Parabéns.

ParabénsOnde histórias criam vida. Descubra agora