Um conto do solitário

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Eu era um lobo do Norte.

Feroz, indomável, quase brutal. Um alfa solitário que por onde passava causava medo e respeito. Entre os meus, entre os outros, entre eles.

Tinha plena convicção que não haveria macho ou fêmea nesse mundo que se comparasse a mim e eu jamais teria um companheiro. Nunca.

E em minhas andanças, entre neve, luas e terras vazias e congelantes, em um determinado dia que me lembro como se fosse minha primeira lua, eu o vi. Ele estava parado diante de uma árvore seca, orando, claramente orando enquanto uma chuva torrencial caia sobre seu corpo cheio de marcas que meus olhos lupinos puderam ver com clareza que eram feridas recentes.

Havia cheiro de sangue e morte.

Seu peito arfava e nas mãos tinha um machado duplo.

Não sei o que me atraiu naquele guerreiro estranho, mas eu me aproximei, farejei com cuidado enquanto ele dizia palavras fervorosas a árvore seca.

Um humano, um humano falava com uma árvore velha.

Devo ter me denunciado, como nunca antes, afinal jamais tinha visto tal figura misteriosamente interessante como ele, e ele se virou para mim.

E seus olhos cravaram-se aos meus.

Escuros, profundos, perturbados, havia dor, havia luto, desespero e diante de um lobo, um muito grande lobo – Era tudo o que eu sabia que ele sabia sobre mim – Caiu prostrado e chorou, soluçou deixando cair a arma humana de seus dedos e me permitindo ver que não estava só. Um bebê jazia aos seus pés. Cercado por uma cesta que o impedia de se molhar, mas a criança tremia, ainda que não chorasse.

— Salve-a, lycan, salve-a!

Recuei ao ouvir tal palavra daquele humano, ele sabia quem eu era? Meu povo não cuidava mais do dele. Estávamos separados pelo medo e temor em que a humanidade se embrenhou.

Devíamos ser ignóbeis uns aos outros. Mas naquele segundo não éramos.

Naquele segundo éramos dois homens mudando o destino de nossas raças.

— Salve a criança, faça com que ela seja uns dos seus, ele tem sangue do princípio. Irá lhe trazer fartura e felicidade!

— Eu não preciso de nada disso!

Rosnei tenso e ressabiado. Ele levou a mão ao peito e assentiu nervoso.

— Então faça por piedade, leve-o, crie-o, salve-o. Seu nome é Baekhyun.

E sem mais uma palavra, ele ergueu os olhos aos céus e cravou o machado em seu peito. Ali, diante de um lobo desconhecido e tendo um bebê e uma árvore por testemunha.

Ali, ele tirou sua própria vida me deixando uma cria indesejada.

Tentei partir dali como se nada tivesse visto, contudo, e por fim, peguei o pequenino humano e levei comigo decidido a mantê-lo vivo e quente, alimentá-lo inclusive, se ele sobrevivesse ao meu modo de vida.

A criança sobreviveu, cresceu em tamanho diante dos meus olhos e dentro do meu coração. Baek – Como chamava a si mesmo – Se tornou um humano de lobo, por mais que eu não desejasse tal companhia.

Voltamos todos os anos para a árvore velha, na mesma época, para que ele pudesse fazer uma saudação ao homem que jamais, até ali, soube o que era dele. Pai? Irmão? Do mesmo clã?

Não sabíamos. E foi parte obscura de nossa história até quase o fim.

A criança se tornou homem. Forte, caçador, aquele que caminhava entre lobos. Era como os outros o chamavam. Noturnos de todos os tipos que cruzavam nosso caminho ou nós os deles, o chamavam de caminhante entre lobos e com o tempo Baek aprendeu a gostar da alcunha, ele era um humano sem ser um. Mas eu via, as poucas vezes em que ele me questionava o porquê de eu nunca voltar a minha forma humana, sua dúvida mascarada de sorriso ameno.

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