Retorno

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São Paulo, Brasil - séc XXI

Abri os olhos assustado, com o coração acelerado olhei em volta. Haviam poucas pessoas no ônibus, algumas me olharam de volta, outras continuaram imersas em suas telas de celulares ligadas. Peguei meu próprio celular para checar a hora. Estava sem bateria.

Atrás de mim estava sentada uma mulher de pele parda, e cabelos escuros, ela foi uma das que ficaram me olhando, mas ao contrário dos outros, seus olhos ainda estavam fixos em mim, vi isso pelo reflexo do vidro da janela do ônibus.

Virei de lado para poder melhor olhar para trás e perguntei:

- Que horas são, por favor? - minha voz me assustou, parecia que eu tinha participado de uma maratona.

- Meia noite e quatorze. - ela respondeu com um tom de curiosidade na voz.

- Obrigado! - me endireitei, e tendei calcular quanto tempo dormi.

A última vez que vi a hora já eram mais de meia noite, mas não consegui me lembrar exatamente que horas eram. Olhei para fora a fim de me localizar, estava na marginal pinheiros, eu tenho certeza que a última vez que olhei para fora eu ainda estava na marginal. Não devem ter se passado nem 5min.

Me recriminei por ter usado tanto o meu celular para ver as redes sociais, porque quando eu quero pesquisar algo realmente relevante, eu não consigo.

"Marco Rossi, Charlote Rossi e Katherine Pierre", repeti os nomes infinitas vezes a fim de memorizar e poder pesquisar quando chegasse em casa. Mal sabia que não seria necessário tais repetições.

Eu sabia que tinha sido um sonho, só poderia ser. O que mais seria ? Mas em contrapartida, eu sabia que haviam detalhes demais, tinham sentimentos demais. Ainda sou capaz de sentir o desespero dele misturado com o meu próprio, para que eu "saísse" de dentro de sua mente. O que isso significava ? Parecia que eu tinha vivido outra vida, mas que ao mesmo tempo ela também me pertencia.

Percebi que não estava mais embriagado, todo teor alcoólico deve ter sido evaporado com a corrente de adrenalina que corria pelas minhas veias, eu não conseguia relaxar. Eu não parava de pensar o que havia acontecido, quanto mais tempo se passava, mais eu tinha certeza que havia sido real, mesmo sem explicações de como tudo aconteceu. Mas "sonho" era uma palavra tão vaga para descrever o que eu vivi. Eu já sonhei infinitas vezes, é claro, mas nenhuma comparada com o que eu tinha acabado de viver.

Encostei minha cabeça no assento do ônibus novamente, afim de tentar relaxar o final do caminho até em casa. Eu estava esgotado, depois do trabalho fui para um happy hour da empresa. Perda de tempo.

Meu trabalho não é o melhor do mundo, mas não deixa de ser um bom trabalho. Trabalho na área de contabilidade de uma companhia, exatas nunca havia sido o meu forte no tempo do colégio, sempre fui muito bem em humanas, principalmente história e sociologia.

Por vezes eu me sinto deslocado no meu próprio emprego, mas  foi a oportunidade que me surgiu, eu simplesmente a agarrei e hoje sou bom no que faço, mesmo não sendo o que eu quero fazer para sempre.

Quando dei por mim, meu corpo estava tão relaxado que quase cochilei novamente, endireitei as minhas costas para ficar reto e vigilante, balancei a cabeça afim de espantar qualquer sono que em mim se abatia. Eu percebi que estava com medo de cochilar e daquilo acontecer de novo. Não! Não podia acontecer, mas como eu iria saber o que era, se eu não me deixasse levar ?

"Perguntas e mais perguntas, eu só queria ter alguma respostas." - Pensei enquanto olhava para a paisagem que passava através da janela do ônibus. Foi quando eu reparei novamente no reflexo da mulher que estava sentada atrás do meu assento, ela continuava a me olhar, eu estava desconfortável, não via a hora de chegar o meu ponto e poder descer.

Outro TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora