O verão se aproximava e os ânimos exaltados daqueles que passavam diariamente por aqueles corredores era nítido, principalmente para os alunos do ultimo ano e isso se deva ao simples fato de que dali a dez dias eles estariam livres. Alguns se formariam com louvor, outros nem tanto, é verdade, mas a contagem regressiva estava estampada nos olhos de cada um, se você se disponibilizasse a olhá-los com mais atenção.
Entretanto, o fim ainda não havia chegado e por conta disto, os professores ainda tentavam enfiar algum conteúdo dentro daquelas cabecinhas cheias de tudo o que você possa imaginar, exceto o essencial, dos alunos do Nora Frances Henderson, um colégio de Ensino Médio que era localizado em Toronto, Canadá.
A Sra. Garner, observando que não conseguiria vencer a procrastinação de seus alunos, fechou seu livro de Literatura Inglesa com força, fazendo alguns garotos do time de Basquete se sobressaltarem, o que causou uma onda de risos naqueles que ainda prestavam atenção na mestra, que obtinha a fama da professora mais rígida do lugar. E consequentemente uma das mais temidas.
- Jane Austen, me perdoe, mas os jovens de hoje não sabem mais apreciá-la – a mestra depositou seu livro em sua mesa e deu a volta pelo móvel, ficando de frente para a sala.
- Eu aprecio Sra. Garner – uma voz masculina se manifestou.
- Sempre tem um puxa saco gay – disse outra voz masculina, mas seu tom não foi tão baixo como ele imaginou.
- Gostaria de manifestar o seu pensamento a respeito disso, Travis?
A Sra. Garner olhou para o rapaz loiro que havia cochichado e instantaneamente, entre risos dos demais, todos voltaram sua atenção para Travis, que vestia um agasalho do time de Basquete da instituição, apesar do tempo estar relativamente mais quente.
- N... Não, Sra. Garner – Travis gaguejou, suas bochechas ficando rosadas no mesmo instante – Foi um pensamento infeliz. – E baixou os olhos para seu livro.
- Acho bom.
A mulher mais velha suspirou, ciente de que não conseguiria prender a atenção da turma com mais palavras de Austen. Ela avaliou o que poderia fazer. "Seria muito cedo para isso? ", refletiu e decidiu que não.
Sendo assim, a Sra. Garner deu um sorriso de lado quase que imperceptível, e numa atitude que a mestra nunca havia realizado em sala de aula, ela sentou-se em cima de sua mesa e tirou seus sapatos; cruzou suas pernas em estilo borboleta, que foi facilitado pela calça social usada por ela e prendeu seus cabelos num coque com sua caneta.
Imediatamente a atenção dos alunos foi capturada, afinal, nunca viram de fato a Sra. Garner, famosa por sua seriedade e severidade, sentar-se de modo tão relaxado em sala de aula. Por vezes ou outra escutavam rumores de que isso poderia acontecer em determinado momento do fim do ciclo escolar, mas nunca passou de uma lenda urbana naquela escola.
Até aquele momento.
- Já que não vou conseguir a atenção de vocês com Literatura, que eu consiga de outra forma então...
- Opa! – outro rapaz mais ousado exclamou e por incrível que pareça, a Sra. Garner sorriu.
- Comporte-se, Jordan! – a mestra falou e balançou a cabeça em negativa – Pelos meus cronogramas, eu iria passar essa atividade para vocês na próxima semana, mas acho que será bom iniciá-la com um pouco de antecedência.
A menção da palavra atividade provocou um suspiro coletivamente triste entre os alunos e enquanto olhos rolavam, uma garota chamada Waverly levantou a mão, chamando a atenção da mestra.
- Srta. Earp?
A Sra. Garner olhou para a garota de rosto miúdo e pele clara, cujos cabelos castanhos claros estavam presos num rabo de cabalo. Ao falar, foi nítido o sotaque inglês da jovem.
- Porque com antecedência, Sra. Garner?
- Algo me diz que muitos não conseguirão realizar a tarefa que vou propor – a mestra respondeu enigmática.
Observando os olhares curiosos lhe encarando, a professora continuou:
- Algum de vocês já ouviu falar do Projeto TARDIS?
A mais velha varreu os olhos pela sala, em busca de alguma resposta, e quando aceitou o fato de que ninguém se manifestaria, uma jovem sentada na ultima cadeira levantou a mão timidamente.
- Srta Haught? – incentivou a Sra. Garner.
Era visível que a menina não queria todas as cabeças de seus colegas viradas para ela e engolindo em seco, sentindo suas orelhas vermelhas, disse na voz mais confiante que conseguiu reunir:
- Se o que eu sei é o correto, esse é um Projeto "secreto" aqui do colégio – a menina de cabelos avermelhados fez aspas com os dedos.
- Se é secreto, como você sabe? – o garoto Travis a questionou, mas quem o conhecia sabia que ele o estava fazendo para deixar a jovem constrangida.
- É por isso que eu coloquei as aspas, idiota – Haught retrucou, causando uma onda de surpresa em todos ali e deixando Travis com a cara emburrada.
- E como você descobriu esse projeto, Nicole? – a mestra olhou mais uma vez para sua aluna, que não imaginava ficar ainda mais em evidência naquela aula.
- Meu pai me contou... – ela respondeu com os olhos um pouco mais baixos.
- Oh! Não sabia que seu pai estudara aqui. – A professora gostou de ouvir aquilo – E ele conseguiu?
A garota Haught, cujo nome era Nicole, sabia sobre o que a Sra. Garner se referia e balançou a cabeça negativamente.
- Foi o que eu imaginei – a mais velha crispou os lábios. – Muitos planos não são concretizados.
- Vocês irão ficar falando em enigmas ou contarão para nós do que se trata? – uma moça chamada Bridget, sentada na fileira ao lado da de Nicole, questionou.
- Pois bem – a mestra retomou a fala - como nos disse a Srta. Haught, este era para ser um Projeto secreto da nossa instituição... Se bem que pela cara de vocês, ele continuava oculto até ser mencionado a dois minutos atrás. – passou novamente os olhos pelos alunos, que agora estavam atentos – Esse projeto surgiu desde a fundação do nosso colégio, e anualmente, nas aulas de Literatura, a pessoa que leciona esta matéria, neste caso eu, é incumbido de apresentar o projeto, se certificar de que todos irão cumpri-lo, recolher o material que será feito e, ao final do Baile de Despedida de vocês, selá-lo e guardá-lo para que seja aberto daqui a oito ou dez anos. Para dizer o mínimo.
O silêncio no recinto foi tão acentuado que foi possível, literalmente, ouvir um par de grilos cantando do jardim.
- Se trata então de uma Cápsula do Tempo? – A voz da aluna com sotaque inglês quebrou o silencio – E o nome TARDIS vem da série Doctor Who, certo?
- Exatamente – a professora confirmou.
- Não sabia que você assistia Doctor Who, Waverly – Travis olhava para a garota ao falar.
- E eu não assisto, mas minha mãe sim. Foi uma série muito popular no Reino Unido – ela respondeu ao colega.
- E ela retornou em 2005, mas isso não vem ao caso agora – a Sra. Garner comentou – O nome é uma brincadeira. Nos primeiros anos desse projeto na escola, ele foi chamado Máquina do Tempo, mas depois que a série teve sua estréia nos anos 60, ouve a mudança de nome. O que em minha opinião ficou bem mais legal – ela sorriu, mais uma vez causando surpresa nos demais – Na série, a TARDIS é uma nave espacial e também uma máquina do tempo.
- Nós então teremos que escrever algo e colocar nessa cápsula? – outro garoto perguntou.
- Exato – a mestra fez que sim com a cabeça – Mais especificamente uma carta, que vocês escreverão para o seu eu futuro. Digam o que quiserem, contanto que tenha no mínimo quinhentas palavras...
- QUINHENTAS?! – as vozes de protesto e exclamação fora unânimes.
- E se reclamarem de novo, serão mil. – o efeito foi imediato. Todos se calaram. – Vocês têm até o Baile para escrevê-las, ou seja, dez dias para bater um papo com o eu interior de vocês e descreverem o que esperam, querem ou imaginam para o futuro. Não sejam vagos quanto a isso, pensem com carinho e analisem o que pretendem fazer depois do colégio. Eu realizo esse Projeto há dez anos, e acreditem quando eu digo que já vi muito homem barbudo chorar.
Como ela esperava, ninguém se manifestou. Continuou:
- Após o baile, exatamente a meia noite, eu quero todos vocês no marco zero da escola, não importa o quanto de ponche batizado vocês tomarão – os rapazes que jogavam basquete arregalaram os olhos com o fato de a professora saber daquela informação -, para selarmos as cartas de vocês, colocarmos numa urna e a guardarmos até ser aberta novamente.
A Sra. Garner sempre imaginava um final triunfal para o seu discurso, no qual todos os alunos falariam "uau" ao mesmo tempo, mas a pergunta que sempre vinha a seguir lhe fazia perder a fé na humanidade:
- Vale nota?
- Cinquenta por cento da nota final – ela voltou com a postura dura e houveram os primeiros resmungos de reclamação.
- Mas como a Sra. vai saber se escrevemos ou não? – O rapaz de nome Jordan a questionou – Podemos simplesmente deixar em branco, afinal, o futuro é incerto!
- Por mais incerto que seja o futuro, você vai arriscar? – A mestra lhe lançou um olha penetrante – Lembre-se que a nota somente é lançada na segunda feira após o baile. E se eu descobrir que alguém não fez a tarefa, bem, será maravilhoso ter alunos durante a recuperação neste verão.
A garota inglesa riu.
- A Sra. está coagindo a gente a fazer a carta e participar do projeto? – ela indagou a professora.
- A Srta não pensa em seu futuro?
- Muito – ela confessou.
- Então creio que não será coisa de outro mundo fazer essa redação. – Ela olhou para a turma – Se todos aqui alguma vez já pensaram no que fazer quando finalizarem esse ciclo, o pensamento vai fluir naturalmente. Alguma pergunta?
Dessa vez, mais alunos levantaram as mãos. A mestra gostou, estavam interessados.
- Tem problema se passar de quinhentas palavras?
- Não. Quanto mais, melhor.
- Podemos colocar mais coisas nessa cápsula? Sei lá, fotos?
- Fotos são bem vindas. Assim como demais objetos que possam fazer vocês lembrarem-se do período de vocês aqui.
- Quando iremos abri-la?
- A data de abertura será decidida antes de selarmos a cápsula.
- A Sra. disse que as guardaremos numa urna. Quem nos garante que ela não será aberta?
- Eu garanto – a mestra sorriu outra vez – Essa sempre foi uma das maiores duvidas de todos os alunos, de todos os anos. Eu consigo a urna, não precisam se preocupar com isso. Na noite do baile nós a fecharemos com um cadeado que contenha um segredo e ela será guardada em segurança. E claro, todos terão acesso à senha desse cadeado. Eu também garanto a vocês que eu nunca abri uma cápsula sequer antes do tempo.
Por algum motivo que ninguém saberia explicar, todos ali acreditaram nas palavras da mestra.
- Todos nós saberemos da senha por medida de segurança, então? – a aluna chamada Nicole perguntou para a professora.
- Sim. Caso não seja possível eu estar presente, haverá meios de abri-la.
- Mas e se ninguém retornar para o Homecomming?
A pergunta foi feita por Waverly e pairou no ar por alguns segundos antes da mestra responder:
- Vocês são em trinta. Caso não venha ninguém, os sonhos de vocês ficarão trancados para sempre, como já ocorreu em algumas edições desse projeto. Mas se pelo menos um de vocês comparecer, esse um terá direito de abrir a cápsula e uma vez aberta, quem garante que esta pessoa não lerá o que os demais escreveram e sonharam?
E antes que qualquer aluno pudesse protestar, o sinal tocou e pôs fim a aula.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Love Thing
Fanfiction|Concluída| Poderia um projeto de Capsula do Tempo ser levado a sério por alunos prestes a finalizar os estudos, ainda mais com várias situações teoricamente mais importantes do que uma simples carta, acontecendo nos últimos dias de aula? Em meio...