Para sua grande surpresa, o nada era quente. E o calor era até demais, queimando os olhos e o nariz no contato com o ar úmido.
Ele não fazia ideia de onde estava. Nem de quem era.
A única coisa que sabia é que tinha perdido tudo.
Levantou do chão e tentou se firmar em pernas vacilantes. Falou alto, tentando lembrar de seu nome, mas sua voz soou estranha aos seus ouvidos. Olhou as próprias mãos, cobertas com uma pele vermelha e brilhante, com unhas curtas e bem cuidadas. Não tinha anéis, enfeites ou marcas. Era desolador, mas tentou não desanimar.
Escolheu uma direção qualquer e se pôs a caminho. Como não sabia para onde ir, qualquer lugar serviria. Andou com determinação, em silêncio, sem pensar nada pois a mente estava vazia de lembranças e preocupações. Caminhou até as câimbras vencerem sua vontade e ser obrigado a parar. Continuava no meio do nada. Sob seus pés, o chão era informe e suave. Ao seu redor, uma bruma leitosa recobria tudo – ou tudo era aquela bruma, não tinha como saber.
Sentou, as pernas doloridas latejando. Talvez simplesmente deitar e esperar qualquer coisa acontecer fosse uma ideia melhor. Estava fechando os olhos quando ouviu algo.
- Sinceramente, não creio que dormir aqui seja um bom plano. A não ser que você queira se matar. Aí, seria um excelente plano, principalmente se você estiver querendo se punir por algo com uma morte extremamente lenta e dolorosa. Mas não consigo entender porque alguém viria até aqui só para se matar...
Espantado, sentou-se e olhou ao redor. Procurou o dono daquela voz intrusiva, seu primeiro contato com outro ser. Mas não viu nada nem ninguém.
- Quem está aí?
- Aqui embaixo, criatura estranha. Vocês, bípedes, tem essa estranha mania de pensar que todos tem sua altura ou estão no nível dos seus olhos. É por isso que um dia os insetos irão dominar todos os Planos e Multiversos.
O dono da voz estava aos seus pés e era uma criatura peluda e branca, olhos vermelhos e longas orelhas que caiam pela lateral da cabeça. O nariz remexia quando falava.
- Que cara é essa, bípede? Nunca viu um coelho?
- Se vi, não lembro.
- Ah, outro desses.
- Como assim? Existem outros como eu?
- Mas é claro que existem... – o coelho tapou a cara com as patas dianteiras, exasperado. – Só porque andam em duas pernas, vocês se acham tão únicos. Avestruzes também andam em pé e sabem que não são nada demais...
- Pare com isso! Preciso de respostas e você só está me confundindo mais!
- Sou um coelho. O máximo que posso fazer é ser seguido. Se eu fosse um gato que ri, bem... Daria algumas respostas, mas você continuaria não sabendo muita coisa.
- Seguir para onde?
- Mais perguntas? – por alguns instantes, o coelho só remexeu o nariz, aparentemente indignado demais para responder. – Será que você é incapaz de apenas agir? Não tem memória, vai ficar pensando no quê?
E sem dizer mais nada, virou-se e foi andando, no andar meio salteado de coelho. Ao desmemoriado, restavam duas opções. Ficar ali e desobedecer ao aviso que o coelho dera, tentar dormir... Ou segui-lo para ver até onde iria.
Com um suspiro, levantou. Tinha pouco a perder seguindo o animal e sempre poderia se deitar em outro lugar depois. Correu um pouco para alcançar a criatura, que sequer reduziu o passo-salto para espera-lo. Ao seu redor, tudo continuava embaçado, como se fosse fumaça sólida.
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A história do Ladrão de Sonhos
FantasyO nada, um coelho e um destino ignorado. Ao acordar sem memória, um estranho ser tem que reaprender tudo. A um custo alto.