Kryptonite

626 22 16
                                    

Harvey dirigiu sem rumo por algum tempo. Não demorou muito para pegar a estrada de volta para Nova York sem nem voltar para a casa de praia a fim de trancá-la. Não queria nem saber. Não fazia sentido nenhum estar lá sem a pessoa que lhe deu a ideia primeiramente. Não fazia sentido nenhum voltar para a casa vazia sem companhia. Sem Donna. Assim como não fazia sentido nenhum as decisões repentinas e a mensagem gravada.

Passou toda a viagem tenso. Os músculos da face proeminentes de tanta força com que seus dentes se tocavam e os dedos brancos agarrados no volante. Todo sentimento de leveza que Donna lhe causara na noite anterior se tornou raiva. E talvez estivesse sendo egoísta consigo mesmo e com ela, mas não conseguia mais enxergar como concordou com aquela ideia idiota.

Pisou no acelerador e fechou a expressão. Sabia que se Donna estivesse no banco do lado riria da situação. Drama queen, ela diria. Mas sem ela ninguém lhe botava limites. Ficaria com raiva até encontrá-la novamente, até que pudesse entender o que raios tinha dado nela pra simplesmente ir embora.

__

Duas batidas na porta soaram estranhas para aquela hora da noite num sábado.

"Donna! Pensei que estivesse..." Rachel se calou percebendo a expressão da amiga. Guiou a ruiva para dentro do apartamento. "Is this a coffee or wine situation?"

"Definitivamente vinho, mas não estou in the mood for wine. Pode ser um café mesmo." Rachel assentiu e pôs-se a preparar o café mais forte que podia.

"Certo. Não vou perguntar, você me conta o que devo saber e eu decido se você precisa de um abraço, de conselhos ou dos dois."

"Você é, possivelmente, a melhor amiga desse mundo todo, sabia?"

"I do. Spill it."

"Apenas para sua informação nós não fizemos nada do que você está imaginando." Donna estava com as pernas cruzadas no sofá.

"Oh, crap. Mas tudo bem. Sua cara me diz que algo pior está por vir." Donna olhava para o nada. Sua mente parecia ainda estar nos Hamptons, muitos quilômetros mar adentro.

"We love each other, Rach." Donna sussurrava como algo proibido. Indizível. "We deeply love each other e nenhum de nós consegue lidar com isso. Ele fica na negação e prefere nem ser ele mesmo quando pensa romanticamente sobre mim. E eu sou... tão... fraca." Ela parecia dizer tudo para si mesmo, como uma terapia de frente ao espelho.

"Ah, por favor, fraca?! Você pode ser qualquer coisa, mas fraca não."

"Mas eu sou sim. I'm weak for him. O jeito que ele lida com tudo isso me tira do sério, então eu enterro tudo dentro de mim e não enfrento absolutamente nada. Weakness." O semblante de Donna era de arrepiar, Rachel nunca havia a visto daquela maneira, desgastada, emocionalmente cansada.

"De que jeito que ele lida?"

"Ele não quer enxergar. E eu espero, do fundo do meu mais profundo ser, que ele faça isso pensando na nossa amizade."

"Donna, vocês são tão íntimos... Você realmente acha que isso atrapalharia a amizade de vocês?" A ruiva apoiou o rosto numa das mãos e com a outra recebeu o café que Rachel trazia.

"Eu não acho. Mas sou só um ser humano, Rachel. Às vezes me pergunto se ele não está certo."

"Não posso dizer que tenho uma resposta para isso." Donna fechou os olhos e deu de ombros. Deitou a cabeça nas pernas de Rachel e se ajeitou no sofá, colocando a caneca na mesa de centro. "Donna, eu não me lembro de jamais ter visto você assim. O que foi que vocês fizeram?" A morena sussurrou a pergunta arrumando os fios ruivos em seu colo. Percebeu a amiga engolindo em seco antes de responder, pensando minuciosamente sobre o que dizer.

"We danced, we got drunk, we flirted, we kissed... We laughed. We observed each other. Eu senti o perfume dele preencher meus pulmões e foi um dos momentos em que mais me senti viva nos últimos meses. Ele me viu praticamente nua saindo do mar e me acolheu com toalhas e um roupão." Ela levou as mãos até o próprio rosto impedindo que as lágrimas rolassem. "Eu sou tão apegada a ele que consigo esconder tudo isso e colocar numa caixa, como ele diz. Mas só enquanto ele mantiver suas mãos para si, beijando outras bocas que não a minha. That's my boundary."  Rachel pôde sentir o coração da amiga se contraindo. Que coisa doída de se dizer.

"E o que Harvey acha sobre isso?" Rachel equilibrava a conversa. Ora com um pouco de emocional, ora com muito racional.

"Meus limites?"

"Sim."

"Ele não acha nada."

"And why is that?"

"Porque ele não sabe sobre eles."

"Donna! Por que não?" Rachel arregalou os olhos como se aquilo fosse a coisa mais básica. Diálogo.

"Because I ran away."

"What do you mean?"

"I mean eu estava aproveitando o momento mais empolgante que já passei com Harvey fora do escritório. Or ever. And I got overwhelmed por causa de todos esses sentimentos voltando e... fiquei com medo de não conseguir lidar com as coisas do jeito dele, apenas colocando tudo dentro de uma caixa. Again." Pontuou sentando novamente e revirando os olhos. "E vim aqui, nesse estado deplorável, porque estou preocupada que não vou conseguir mais guardar esse pensamento fantasioso de que algum dia ele vai estar pronto para mim. Ou de que vou superá-lo. Exatamente porque ele fica trazendo tudo isso de volta, continuamente. Como uma piada de mal gosto para cima de mim." Rachel pegou as mãos de Donna com força, indicou que ela precisava prestar atenção.

"Dear, ou você precisa ir embora ou tem que dizer alguma coisa à ele. Estou dizendo isso porque sou sua amiga. Não consigo te ver nessas condições." Rachel colocou o cabelo de Donna atrás da orelha.

"Tenho certeza de que estarei bem amanhã. E ele tem tanta coisa acontecendo na empresa..." A ruiva disse já se contradizendo, já que a única saída que conhecia era, aos poucos, ir apagando tudo o que ocorrera. Então, precisava, o mais rápido possível, minimizar o estrago.

"E você vai deixar de lado isso até quando? Até que você não suporte mais vê-lo todos os minutos, horas e dias?"

"Eu não chegaria a esse ponto."

"E você tem certeza disso como?" Donna respirou fundo. Ela não tinha certeza de absolutamente nada.

"Rach, apesar de tudo o que aconteceu e tudo o que eu te disse, quando ele me beijou e quando nos tocamos eu pude sentir na pele dele todo medo que ele estava sentindo naquela situação."

"Eu não consigo entender porque vocês fazem isso um com o outro! Vocês são a definição de proximidade e intimidade. No sentido literal da palavra e em todos os outros sentidos. You guys are one. Não faz sentido algum que continuem se empurrando para longe."

"Você está certa. Eu sei que está."

"Então faça alguma coisa, Donna! Você melhor do que ninguém deveria saber disso." Donna deixou que o silêncio do apartamento lhe acolhesse junto com um abraço da amiga. Demoraram alguns segundos para finalizarem. "Do you wanna sleepover? Posso te fazer um chá."

"Não precisa, querida, obrigada. Eu também não poderia estragar a sua noite com Mike." Rachel apertou os lábios evitando o sorriso.

"Hey!" Mike saiu de dentro do quarto com as mãos na cintura. "Como você sabia?"

"Normalmente, I'd say that I'm Donna and that I know everything, mas você ouviu toda a conversa que você vai manter em segredo do papai, e sabe que talvez eu esteja perdendo meus poderes. Nossas brigas são tipo meu kryptonita." A ruiva sorriu cansada.

"Then go get them back, Donna." Mike correu tomá-la nos braços. "A gente te ama."


"Eu amo vocês também."

Un-safeOnde histórias criam vida. Descubra agora