"Príncipes solteiros", pesquisar.
Era o que os dedos de Mia digitavam, quase de forma involuntária, toda vez que tinha um tempinho, mesmo sabendo que era uma busca inútil. Afinal, ela já conhecia cada um dos príncipes solteiros: o benfeitor gentil, o bonitão com dupla-nacionalidade, o sheik poderoso, o ostentador do instagram. E nenhum deles estava minimamente por perto para que ela pudesse tentar dizer um oi.
Não que ela acreditasse que seria princesa, porque diferente do que a maior empresa de entretenimento preferida dos sonhadores ensinou, na maioria dos países nos quais a monarquia ainda existia não tinha como ser uma princesa por casamento, apenas por nascimento. Mas tudo bem, estar casada com um príncipe já era suficiente.
No alto-falante chamaram o número do seu vôo, então ela fechou o laptop com o resultado da sua última pesquisa - que não era em nada diferente da anterior, e só era diferente das primeiras porque nelas Harry aparecia - e seguiu com o passaporte e as passagens na mão. Se nenhum príncipe viria a ela, ela iria até o Reino Unido e conquistaria um nobre. Afinal, depois de ler tantos romances de época, ela sabia que não existe lugar melhor para encontrar um nobre do que Londres. Só rezou para que ele não fosse um libertino.
"Passagem, por favor." Disse o atendente.
Ela entregou junto com os documentos e começou a sentir a empolgação se espalhar pelo seu corpo. Mesmo que ela não encontrasse nenhum nobre - o que ela duvidava, porque tinha feito uma pesquisa muito bem feita, além de uma pasta cheia de fotos e mapas, e colocado no seu itinerário apenas lugares estratégicos - ainda era uma viagem a Londres. Uau. Os desenhos das grandes construções daquele lugar encantaram-na por toda a faculdade, e como se não bastasse, andar por todos os lugares que suas mocinhas dos romances de época andaram já era mágico por si só.
"Boa tarde" disse a senhora que estava sentada ao lado do seu lugar.
"Boa tarde, tudo bem com a senhora?"
"Ah, melhor impossível." Ela respondeu com um sorriso no rosto.
Mia se contorceu para guardar a mala de mão no compartimento superior e ficou feliz por não ter levado nada que fosse frágil. Quando finalmente conseguiu se sentar, aquela frase ficou martelando em sua cabeça. Ela notou que a pequena senhora com os cabelos brancos a olhava de lado, e soube que queria contar uma história. Ela a olhou de volta, cheia de expetativa e disse:
"Eu sou a Mia, como a senhora se chama?"
"Olá querida, muito prazer. Meu nome é Eliz." Ela disse, estendendo a mão. "Mia, hein? Me parece nome de princesa."
"É", Mia deu de ombros. "Eu costumava pensar isso por causa de 'Diário da princesa' e tudo mais. Mas quando fiz 18 anos e nenhuma avó veio me buscar para me levar a um reino que nunca tinha ouvido falar, percebi que talvez eu estivesse errada. O problema provavelmente foi o meu nome real."
"Seu nome? Mia não é apelido para Amélia?" Eliz a olhou sem entender.
"Quem me dera que fosse. Amelia Mignonetti Termópolis, Amelia Earhart, Amelia Shepherd. Todas elas nomes tão impressionantes. Mas o que a minha mãe escolheu? Miranda."
"Bom, há Miranda Prisley." Respondeu Eliz, segurando um riso.
"Não posso negar que é um nome intimidador, mas não sei se é ESSA a imagem que quero passar." Confessei, sem conseguir conter uma risada.
"Não há nada de errado numa mulher intimidadora. Eu por exemplo, intimidei meu marido para conseguir fazer essa viagem." Ela disse, transparecendo um ar orgulhoso.
"É mesmo? Preciso saber essa história."
Eliz se virou e colocou as mãos no antebraço de Mia, como quando velhas amigas se encontram e precisam atualizar-se sobre os acontecidos. Acontece que elas realmente sentiram essa conexão, por isso Eliz se sentiu tão contente de contar a ela que estava indo visitar sua melhor amiga da adolescência, que ela não via há muitos anos, e agora aos 60, ela tinha medo de não a ver nunca mais.
Ela era muito mais cheia de coragem que todas as suas colegas da fábrica de costura onde trabalhava, por isso sempre aproveitava todas as oportunidades que tinha para viajar. Seu marido, Afonso, nunca gostou muito de andar de avião, mas sempre tolerou as viagens curtas por causa do amor de Eliz por viajar. Porém uma viagem intercontinental era muito para ele.
Eliz, há muitos anos sem ver a amiga, decidiu que era hora de tomar coragem e seguir para Londres. Havia muita saudade guardada, e mesmo que as duas se correspondessem e se vissem por fotos e uma ou duas chamadas de vídeo por ano (era muito difícil entender o que elas diziam uma para a outra com aqueles audios horríveis causados pela internet ruim do interior), nada supera um abraço.
"Mas, espera. A senhora é do interior, morou na capital só depois que aprendeu a costurar para trabalhar na fábrica. Então, apenas na vida adulta, mas as duas são amigas de adolescência." Ponderou Mia.
"Exatamente." Concordou Eliz.
"Como vocês se conheceram? E onde entra Londres nessa história, pelo amor de Deus?"
Eliz soltou uma gargalhada gostosa e olhou para o nada por um tempo, mantendo um sorriso nostálgico no rosto. O comandante anunciou que a aeronave iria decolar, então ambas afivelaram os cintos e aguardaram o início da decolagem.
"Estudamos juntas quando pequenas, e juntamos todo o nosso dinheiro para conhecer Londres quando estivéssemos grandes. Tínhamos um plano bastante simples... Conhecer um príncipe e casar com ele. Claro que não precisava ser necessariamente um príncipe, mas esse era nosso sonho..."
Sua voz diminuiu conforme o barulho das turbinas aumentava. Mia fechou os olhos e engoliu em seco, antes de colar completamente suas costas ao banco para não sentir todo o impacto de quando o avião acelerasse. Quando viu sua tensão, Eliz segurou sua mão, e disse que ficava nervosa com decolagens. Mia concordou com a cabeça, e agradeceu em sua mente por não ter que confessar esse medo logo de cara, e ficou pensando sobre a senhora sentada ao seu lado.
Que grande coincidência! Ela ás vezes se achava meio tola por pensar em príncipes, mas sempre que conhecia alguém que também já havia cogitado a ideia, se sentia mais confortável. O problema é que essas pessoas acabavam se casando com caras normais, e lhe enviavam uma foto apaixonada dizendo que tinha valido a pena, mesmo sem a coroa. Os relatos românticos eram os mais diversos, e Mia sempre perguntava a mesma coisa: "Se foi incrível assim, já imaginou se fosse com um príncipe?"
E sempre recebia a mesma resposta, escrita de diferentes maneiras: "Não é a realeza que torna um homem um príncipe, Mia. Quando você se apaixonar, entenderá."
Quando o avião alçou vôo, Mia sentiu o corpo relaxar aos poucos. Ao ouvir o piloto dizer que o avião já estava estável e que poderiam andar se quisessem, ela abriu os olhos e se virou para Eliz dizendo:
"E o que aconteceu na viagem?"
Infelizmente Eliz já estava dormindo. Mia pensou que talvez fosse a idade que a tivesse feito cochilar antes das 18h mas ela também estava bocejando, então colocou os fones de ouvido e deu play em "I decide" num volume baixo, se lembrando do seu filme favorito. Ela fechou os olhos e pensou, conformada, que teria que esperar para saber o resto da história.
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Como se casar com um príncipe? [degustação]
Short StoryMia está cansada. No último período de arquitetura, ela não aguenta mais trabalhos em grupos, TCC, não encontrar um estágio e o medo de ficar desempregada. E o pior, este era apenas o plano B. E o plano A? Casar-se com um príncipe, claro. Playlist:...